O que Deus ajuntou … (d)

Cap. 3 — O ensino do Senhor sobre o divórcio

William Banks

Mateus 19:1-15, e passagens relacionadas





O contexto (vs. 1-2)

O contexto de Mateus 19 é interessante e instrutivo. “Concluindo Jesus estes discursos” (v. 1). (Veja 13:53 e 26:1, onde a mesma expressão é usada, e também 7:28, e 11:1, onde uma expressão parecida é usada.) O assunto do cap. 18 é duplo: humildade (vs. 1-19) e perdão (vs. 21-35). Estas qualidades são fundamentais para se ter um casamento bem sucedido, que é o assunto dos versículos no começo do cap. 19.

Além disso, a localização geográfica é significante. Ele “saiu da Galileia e dirigiu-se aos confins da Judeia, além do Jordão”. Este era o território de Herodes, onde o assunto de um casamento impróprio já tinha sido tratado por João Batista. João falou corajosamente a Herodes: “Não te é lícito possuir a mulher do teu irmão” (Mc 6:18). Apesar de Herodes ter “casado com ela” (Mc 6:17), ela ainda era “a mulher de teu irmão”. O segundo casamento não tinha desfeito o primeiro vínculo matrimonial.

O corajoso João sofreu a morte por ter falado fielmente sobre a indissolubilidade da união matrimonial e denunciado o infrator, Herodes. Portanto, a região da Judeia, além do Jordão, era um território hostil para se falar sobre divórcio. Os pensamentos de muitos, hoje em dia, também são desfavoráveis a este assunto.

As opiniões na Judeia, e em Israel em geral, eram muito divergentes. Os seguidores de Hilel permitiam o divórcio por razões triviais, enquanto que os seguidores de Shamai somente permitiam o divórcio em casos de adultério. Assim, quando os fariseus perguntaram ao Senhor sobre o divórcio, pensavam que qualquer resposta Lhe traria problemas.

Um ministério de cura (v. 2) era necessário em tais circunstâncias de confusão e desânimo matrimonial. Quão mais necessário é nos nossos dias!

Foi neste contexto que surgiu a sessão de perguntas e respostas entre o Senhor e os fariseus. Não havia nenhum interesse real da parte deles — eles estavam simplesmente “tentando-o”! Infelizmente, muitos que fazem perguntas sobre este importante assunto, hoje em dia, não o fazem por ter um desejo sincero de aprender a verdade, mas meramente para apresentar assuntos para uma discussão inútil, semelhante às “fábulas e genealogias intermináveis, que mais produzem questões do que edificação de Deus, que consiste na fé” (I Tm 1:4).

A primeira pergunta e sua resposta (vs. 3-6)

A primeira pergunta é muito geral: “É lícito ao homem repudiar sua mulher por qualquer motivo?” Não importa qual a resposta dada, com certeza haveria oposição — pensavam que a armadilha colocada por eles era perfeita!

Contudo, a resposta revelou seu problema fundamental: “Não tendes lido?” (v. 4). Uma leitura cuidadosa das Escrituras teria eliminado a necessidade da pergunta. Quantas vezes este é o caso hoje em dia! Mas, a qual Escritura o Senhor se referiu? Ele não os levou aos livros proféticos (que teriam servido para dar ajuda prática ou experimental) nem aos livros históricos (que teriam revelado exemplos sobre o que tinha acontecido com a nação, no passado). Não, Ele os levou ao Livro dos princípios (Gênesis), à doutrina fundamental sobre o matrimônio; de fato os levou à primeira cerimônia de casamento e ao primeiro sermão sobre casamento, dado, não por homem algum, mas pelo próprio Criador. “Aquele que os fez no princípio … disse” (vs. 4-5). O Criador os fez e lhes deu ordens sobre as condições do casamento. Deus está falando: “Portanto, deixará o homem pai e mãe, e se unirá à sua mulher, e serão dois numa só carne” (v. 5). O princípio é claro — uma unidade indivisível está sendo estabelecida — dois estão se tornando um só. Citamos aqui J. D. Pentecost:
Os fariseus consideravam o casamento como uma instituição social governada pelas leis de homens. Mas Cristo considerou o matrimônio como uma instituição divina governada pelas leis de Deus.
Observe a ordem “deixar … unir … ser … ”. O matrimônio inclui uma nova esfera de vida resultando do “deixar”; uma nova associação exemplificada pelo “unir” (permanentemente unidos como cola); e um novo relacionamento ao ser “uma só carne”.

Repare que “serão dois numa só carne” é parte da citação do Criador no princípio, em Gn 2:24. A ideia de que mais do que dois podiam ser “uma só carne” não é contemplada. O Senhor conclui: “Assim, não são mais dois, mas uma só carne” (v. 6).

Vemos claramente que este era o caso de Adão e Eva em Gênesis 2, antes de qualquer consumação física da união. Tais relações conjugais não começaram até Gn 4:1. Portanto, o relacionamento “uma só carne” está em vigor desde o momento do término da cerimônia matrimonial, que hoje é a declaração de que são marido e mulher. Não é a união física que a estabelece, alias, a união física só é permitida porque o casal já é uma só carne, que é uma união emocional e indissolúvel. Esta ideia é confirmada pelo Senhor, na Sua conclusão e no Seu resumo desta resposta à primeira pergunta: “Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem”.

É incrível os esforços mentais e linguísticos que alguns fazem para tentar fazer esta frase simples significar algo diferente. A verdade é clara — Deus une, o homem separa. Contudo, esta atitude é completamente contrária à vontade de Deus e, com certeza, receberá um juízo severo.

A segunda pergunta e sua resposta (vs. 7-9)

Sendo silenciados pela referência do Senhor à ordem primitiva e divina na Criação, que é claramente uma ordem permanente, os fariseus então resolveram fazer mais perguntas. Desta vez eles também mencionam as Escrituras, e agem de uma maneira que muitos fazem hoje — questionando: “Por que?” Agora fazem um apelo à “experiência”. Havia um caso prático. Não foi assim que aconteceu no passado? Agora pensavam que o Senhor não teria nenhuma saída.

“Por que mandou Moisés dar-lhe carta de divórcio, e repudiá-la?” Eles conheciam bem Deuteronômio 24 — este texto era mais agradável para eles do que Gn 2:24! Não estava aqui uma saída? Não estava o divórcio incluído na lei de Moisés? É interessante ver que eles não citaram a profecia de Malaquias: “O Senhor, o Deus de Israel diz que odeia o repúdio” (Ml 2:16). Eles perguntaram: “É lícito ao homem repudiar sua mulher?” — Deus o odeia! Mas este texto era muito doloroso para eles, e pensavam que Deuteronômio 24 lhes daria a saída procurada.

A resposta do Senhor foi devastadora ao pensamento deles. Devemos destacar alguns aspectos desta resposta.

i) Era uma “permissão”, não um “mandamento”. Moisés vos “permitiu” repudiar vossas mulheres! Não há nenhuma desculpa para o uso dos fariseus da palavra “mandou”. Deuteronômio 24 nunca é visto como um mandamento para divorciar-se (nem mesmo em Marcos 10); foi somente uma permissão, e com uma razão. A razão é dada pelo próprio Senhor, e mais conclusões podem ser deduzidas de Deuteronômio 24.

ii) Foi por causa “da dureza dos vossos corações”! A razão fundamental pela permissão dada foi a “dureza … de coração”. O homem que divorciou a sua mulher em Deuteronômio 24 era um homem “duro”. Ele não tinha compaixão pela condição emocional da sua esposa. Seu único pensamento era gratificação egoísta. Certamente o Senhor está dizendo que isto não serve como argumento em favor do divórcio. O divórcio em Deuteronômio 24 é uma indicação de um espírito inflexível, com pouco respeito para com os sentimentos dos outros (e por isso era algo que Deus odiava!). Mas, por que, então, Moisés o permitiu? A razão é clara. Foi para proteger a dignidade da mulher. O divórcio foi permitido para que a mulher fosse salva de uma situação de abuso arrogante de um homem de coração duro. Em Deuteronômio 24 o casamento não fora consumado, senão o divórcio não teria sido possível (veja Dt 22:29) e, nessas circunstâncias, a mulher era inocente (e continuava virgem) depois do primeiro processo de divórcio (veja também o Capítulo 1 deste livro).

iii) Era contrário à intenção divina para o casamento. O uso da palavra “mas” é importante. Moisés permitiu, por causa da “dureza dos … corações”; mas, em contraste com isso, o Senhor diz que “no princípio não foi assim” (v. 8). Este é o ideal divino. Doutrina nunca é baseada numa “permissão”, mas nos padrões imutáveis que Deus decretou desde o princípio. Nunca foi a intenção de Deus que o divórcio fosse contemplado. Ele achou necessário regular o que nunca aprovou. Isso é visto claramente na próxima frase.

iv) Agora foi suplantada pela palavra autoritária de Cristo. “Eu vos digo”. A Sua Palavra é final. Deuteronômio 24 não é mais a base do mandato doutrinal, e portanto do mandato devoto para relacionamentos matrimoniais nesta dispensação presente (embora permaneça com autoridade no seu contexto). Eis aqui a afirmação final, autoritária, imutável e invariável do Filho de Deus: “Qualquer que repudiar sua mulher … e casar com outra, comete adultério; e o que casar com a repudiada também comete adultério”. Esta afirmação é simples, absoluta e clara. O novo casamento é proibido para os que estão num relacionamento matrimonial. Mesmo que a separação (por qualquer motivo) seja uma possibilidade, o novo casamento não é. Aparentemente, a construção da gramática grega confirma esta conclusão, e os primeiros ensinadores, quase todos, tinham esta opinião. Isso é também plenamente consistente com o que foi dito antes, nesta passagem.

Mas existe uma exceção! A cláusula de exceção, traduzida aqui “não sendo por causa de fornicação” contém somente três palavras na língua original, e não existem outras três palavras que tem produzido tão grande montanhas de papel! Uma grande estrutura tem sido construída sobre um alicerce muito fraco. Mesmo se aceitarmos esta frase como base para o divórcio, há dois fatores que precisamos notar:
  • Um novo casamento de quem se divorciou não é aprovado nesta passagem, e isto é consistente com todos os outros trechos do NT que tratam deste assunto, como Rm 7:1-3 e I Co 7:10-11.
  • Baseado nesta passagem, somente o homem teria direito de divorciar a sua esposa; a passagem não dá licença para a mulher divorciar o seu marido.

O que, então, significa a cláusula de exceção?

Precisamos notar o uso das palavras “fornicação” ou “prostituição” (pornéia)

Em Português, pornéia é traduzida de diversas formas: “prostituição”, “fornicação”, “relações sexuais ilícitas”. (N. T.)

e “adultério” (moicháõ) na mesma passagem. Não há dúvida de que a palavra pornéia, quando usada sozinha, é uma palavra geral para pecados sexuais de vários tipos. Contudo, quando é usada no mesmo contexto que a palavra moicháõ (veja também Gl 5:19, Hb 13:4), obviamente é importante fazer uma diferença. É claro que este é o caso aqui em Mt 19:9. Fornicação (pornéia) é infidelidade sexual antes do casamento, e adultério é infidelidade sexual depois do casamento. Isso é consistente com o uso pelo Senhor da palavra pornéia em outras passagens, como Mt 5:32, 15:19 e Mc 7:21. O Senhor usou somente a palavra pornéia para indicar infidelidade pré-nupcial.

Mas, se é infidelidade pré-marital que está em vista, por que a palavra está aqui no contexto de casamento e divórcio? O contexto geral ajuda neste ponto. Quase todos concordam que Mateus escreveu para o judeu, com um pano de fundo dispensacional. O período ao qual o Senhor se refere é, sem dúvida, o período que os judeus chamam de “desposamento”. O primeiro capítulo deste Evangelho ajuda neste ponto. Aparentemente, este período no noivado judaico durava mais ou menos um ano. Durante este tempo, embora as relações sexuais eram proibidas até depois da cerimônia de casamento, o casal era considerado marido e mulher (veja Mt 1:19-20). Infidelidade sexual durante, ou antes, deste período permitia que o marido repudiasse sua “mulher”. José pensou que este era o caso com Maria, e “intentou deixá-la secretamente” (v. 19).

Portanto, considerando o contexto de Mateus 19, a única exceção que o Senhor tinha em mente era a imoralidade antes ou durante o período do desposado. Isto explica o uso da palavra “fornicação” e não “adultério”. Esta infidelidade permitiria que o “desposado” fosse desfeito, deixando o parceiro inocente livre para se casar (não casar de novo, pois o casamento formal ainda não tinha acontecido). Um novo casamento (assim como o divórcio), nunca é contemplado no NT, enquanto o primeiro cônjuge ainda vive. Um novo casamento nestas circunstâncias conduz ao estado de adultério perpétuo, quer a pessoa envolvida seja crente, crente professo ou descrente. Este estado de adultério perpétuo somente pode ser mudado se os envolvidos se separarem.

A reação dos discípulos (vs. 10-12)

A indissolubilidade absoluta do matrimônio, ensinada pelo Senhor, claramente surpreendeu os discípulos, até ao ponto de dizerem: “não convém casar”. Se fosse tão permanente, então, talvez seria melhor ficar “eunuco”! Contudo, o Senhor indicou que permanecer sem se casar não é uma condição que “todos” poderiam aceitar. Há alguns que têm esta capacidade; e estes se dividem em três grupos: aqueles que nasceram assim, aqueles feitos eunucos por homens, e aqueles que, para viver uma vida separada para o serviço divino, estavam preparados a fazer o sacrifício necessário.

Vemos claramente que os discípulos não ficaram com nenhuma dúvida sobre as restrições colocadas pelo Senhor sobre pessoas casadas. Nem divórcio, nem um novo casamento eram uma possibilidade.

As crianças (vs. 13-15)

Talvez estranhemos que crianças sejam mencionadas aqui no contexto de matrimônio e divórcio. Não é o caso que as crianças, e especialmente as “criancinhas”, são as que mais sofrem como resultado de um casamento desfeito? Com certeza o melhor ambiente para a criação dos filhos é um lar unido e carinhoso onde o ambiente de acolhimento e boas vindas e afeição é visto e conhecido. “Deixai os meninos e não os estorveis de vir a mim; porque dos tais é o reino dos céus” (vs. 14-15).

Marcos 10:1-16

Está é uma passagem paralela àquela de Mateus 19. Embora haja muitas semelhanças nas duas passagens, também há algumas diferenças importantes. Estas diferenças serão enfatizadas agora ao examinarmos o trecho.

O contexto (v. 1)

No fim do cap. 9, o Senhor mostra coisas que podem causar ofensa aos discípulos:
  • “Se a tua mão te escandalizar, corta-a” — v. 43;
  • “Se o teu pé te escandalizar, corta-o” — v. 45;
  • “Se o teu olho te escandalizar, lança-o fora” — v. 47.
O Senhor está mostrando a importância daquilo que fazemos (“tua mão”), de onde vamos (“teu pé”) e do que vemos (“teu olho”). Todo este ensino importante é dado no contexto de casamento e divórcio, e a última, especialmente, é a causa de cobiça que conduz a muitos outros pecados. A falta de cuidado com aquilo que vemos, ou lemos, também pode causar relacionamentos errados. “Tende sal … e paz uns com os outros” (v. 50). Estas coisas previnem muitos problemas!

Perguntas e respostas (vs. 2-9)

A localização geográfica é a mesma que em Mateus 19, e com as mesmas implicações. Contudo, a primeira pergunta é um pouco mais geral do que aquela em Mateus: “E lícito ao homem repudiar sua mulher?” (v. 2). Em outras palavras: será que o divórcio é uma possibilidade?

A resposta do Senhor é interessante: “Que vos mandou Moisés?” O Senhor está Se referindo aos escritos de Moisés como Ele fez em outros lugares nos Evangelhos, como Jo 8:5 e Lc 5:14. Já sabemos pelas palavras do Senhor em Mateus 19, que a linguagem de Deuteronômio 24 não foi um “mandamento”, mas uma “permissão”. Então, o que foi que Moisés “mandou”? Os vs. 6-8 deixam claro que o Senhor está se referindo a Gênesis 2 (que foi escrito por Moisés). O mandamento era bem claro! “Deixar … unir … ser uma só carne”!

A resposta dos fariseus à pergunta do Senhor indicou que eles pensavam que tinham uma base bíblica suficiente para praticar o divórcio. “Moisés permitiu escrever carta de divórcio e repudiar”. Sim, estavam certos! Moisés permitiu o divórcio por causa da dureza dos seus corações, não por causa de um mandamento. O Senhor volta para o “mandamento” que veio do “princípio da criação”, e chega à mesma conclusão relatada por Mateus: “Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem”. Assim, a pergunta do v. 2 foi respondida conclusivamente, e baseada num mandamento divino!

As perguntas dos discípulos (vs. 10-13)

Há outro ponto em que o relato de Marcos é diferente ao de Mateus. Esta sessão de perguntas e respostas ocorreu em casa! Os discípulos aqui em Marcos procuraram mais elucidação sobre o que o Senhor tinha falado em Mt 19:9. Talvez a restrição absoluta fosse pesada demais para eles (veja Mt 19:10-12) — será que ainda podiam descobrir uma base para reduzir a força do mandamento do Senhor? Se estavam pensando assim, o Senhor iria desapontá-los. Ele não apenas repetiu a restrição registrada em Mateus, mas Ele fez isto sem a cláusula de exceção, e também estendeu a restrição! Estes detalhes não foram falados a um grupo especifico. Sendo que o matrimônio é criacionista e não exclusivamente cristão, os princípios têm aplicação universal:

“Qualquer que deixar a sua mulher e casar com outra, adultera contra ela. E, se a mulher deixar a seu marido, e casar com outro, adultera” (vs. 11-12).

Alguns detalhes que devemos notar

i) O novo casamento é totalmente proibido para pessoas casadas enquanto o cônjuge está vivo. A linguagem não deixa qualquer dúvida, é fácil de entender e absolutamente clara. Não pode existir dúvida sobre a importância desta afirmação do Senhor. Isso também nos ajuda a entender Mateus 19. É uma regra sadia de interpretação; devemos usar o que é muito claro em Marcos e Lucas, como base para entender o que é aparentemente menos claro e mais difícil de entender em Mateus. Assim, a passagem em Mateus tem de ser entendida como somente permitindo o término do noivado durante o período do desposado, isto é, um relacionamento fora da esfera do casamento formal. Se não, a passagem em Marcos é contraditória. Além disto, a autoridade a que Paulo se refere em I Coríntios 7, só pode ser uma referência a Marcos 10.

ii) Diferentemente da passagem em Mateus, aqui a possibilidade de uma mulher divorciar seu marido é mencionada. Não há menção desta possibilidade em Mateus, no contexto judaico. Marcos está escrevendo para outros leitores. Ele escreve para os romanos. No contexto romano aparentemente era comum a mulher divorciar o seu marido e casar-se novamente. O Senhor está indicando que isto não é permissível — o novo casamento produz o estado do adultério perpétuo .

iii) Não há uma cláusula de exceção. A razão é óbvia — não existe exceção! O período do desposamento, tão bem conhecido pelos leitores judaicos do evangelho de Mateus, simplesmente não se aplicava aos leitores gentios de Marcos. Não haveria contratos formais de noivado a serem desfeitos, porque tais contratos não existiam. No mundo dos gentios os que estavam noivos não eram conhecidos como “marido” e “mulher” e, portanto, “divórcio”, como exceção, não seria apropriado. A linguagem dos vs. 11-12 nunca foi anulada para a dispensação presente. É permanente e não deixa lugar para dúvidas. Aqueles que usam a exceção para permitir o divórcio para os legalmente casados, fazem isto contra o ensino claro desta passagem. Além disto, é improvável que aqueles que ensinam a possibilidade do divórcio, por causa de adultério, ficarão apenas com esta única exceção. Já em igrejas do povo de Deus muitas outras razões, como deserção e incompatibilidade, estão sendo usadas para justificar o divórcio, e com consequências devastadoras. Uma vez que a porta se abre, é quase impossível parar a inundação de pecado.

As crianças (vs. 13-16)

Como em Mateus, as crianças são mencionadas aqui, e pela mesma razão. É lindo ver que embora pudessem ser maltratadas pela crueldade do divórcio e novo casamento, o Senhor “tomando-os nos seus braços, e impondo-lhes as mãos, os abençoou” (v. 16).

Mateus 5:27-32

O contexto

A passagem tem um contexto duplo. É parte do primeiro “Sermão do monte” no Evangelho de Mateus. Este “sermão”, obviamente, tem conotações judaicas, embora naturalmente contendo princípios para todos. É, sem dúvida, o “Manifesto do Rei”. Os detalhes todos somente serão cumpridos quando o Rei reinar. Isso quer dizer que a interpretação dos versículos tem de ser feita tendo em mente este contexto.

Adicionalmente, os detalhes dos versículos imediatamente precedendo os vs. 31 e 32 são semelhantes àqueles achados no final de Marcos 9:
  • “Se teu olho direito te escandalizar, arranca-o” — v. 29;
  • “Se tua mão direita te escandalizar, corta-a” — v. 30.
A razão da necessidade de se arrancar o olho é dada nos vs. 27 e 28 — o olho pode ser usado para olhar com desejo impuro, causando adultério no coração e, sem dúvida, conduzindo também ao ato de adultério. A mão também pode ser usada para cumprir o desejo impuro do olho. Qual o significado disto no contexto de casamento e divórcio? Lamentavelmente, estas coisas podem conduzir ao estado de adultério perpétuo, como resultado do divórcio. O Senhor deseja que isto seja evitado.

O contraste (vs. 31-32)

“Também foi dito … Eu, porém vos digo”. A permissão (“dê lhe carta”) agora é substituída. Foi dada por razões particulares, detalhadas no cap. 19. A situação é diferente agora. Nenhuma carta de desquite é possível. A única base para deixá-la é a infidelidade pré-marital durante o período do desposado judaico — exatamente como temos visto nos detalhes do cap. 19.

Há, porém, quatro detalhes importantes aqui:

i) A construção do versículo prova que “fornicação” ou “prostituição” (pornéia) não pode ser “adultério”, caso contrário a expressão “faz que” seria totalmente inapropriada: “Qualquer que repudiar sua mulher, a não ser por causa de adultério, faz que ela cometa adultério”. Isto seria uma tautologia

“Vício de linguagem que consiste em dizer, por formas diversas, sempre a mesma coisa” (Dicionário Aurélio) — ou seja, uma repetição incoerente. (N. T.)

. Como ela poderia ser levada a cometer aquilo que já estava cometendo? Se fornicação ou prostituição é o mesmo que adultério, ela simplesmente iria continuar a cometer o que já estava cometendo, em vez de entrar numa nova esfera de atividade proibida. Obviamente, “fornicação” ou “prostituição” aqui não pode ser “adultério”.

O Senhor sempre usou palavras precisas. Compare o Seu uso da palavra “adúltera” em Mt 12:39; 16:4 e Mc 8:38, em relação à situação espiritual da nação, “transferindo suas afeições de Deus”. Poderíamos pensar que “fornicação” seria a palavra mais apropriada aqui. Contudo, o Senhor somente usou a palavra “fornicação” quando Se referia exclusivamente ao pecado pré-marital, nos Seus discursos públicos. Este uso é também confirmado pelo seu uso pelos adversários em João 8. A mulher foi pega em “adultério” (moicháõ) no v. 3. Todavia, no v. 41, eles acusam o Senhor, sugerindo que Ele nasceu fora do matrimônio quando dizem “nós não somos nascidos de prostituição” (pornéia).

ii) A mulher que é repudiada é levada a cometer adultério junto com a pessoa que casa com ela. Esta é a única vez, no ensino do Senhor, que a mulher divorciada é chamada adúltera. Isto completa o quadro. As pessoas culpadas de adultério nas quatro passagens onde o Senhor se refere ao divórcio são as abaixo mencionadas:
  • O marido que repudia Mt 19:9; Mc 10:11; Lc 16:18
  • A mulher que repudia — Mc 10:12
  • A mulher que é repudiada – Mt 5:32
  • A pessoa que se casa com a repudiada – Mt 5:32; 19:9; Lc 16:18
Portanto, o ensino de Mateus 5 está em perfeita harmonia com o de Mateus 19 e o de Marcos 10, indicando a natureza indissolúvel do vínculo matrimonial.

iii) Não há possibilidade de um novo casamento para o cônjuge “inocente”. É possível que a mulher que é repudiada, no v. 32, seja totalmente inocente de qualquer má conduta. Talvez ela foi repudiada por causa da dureza do coração do seu marido, mas, mesmo neste caso, o novo casamento simplesmente não é considerado como uma possibilidade.

iv) A iniciativa do divórcio se aplica exclusivamente ao homem. Se o Evangelho de Mateus fosse usado para justificar o divórcio, ou novo casamento, então apenas o homem poderia iniciar o processo! Para uma mente equilibrada, a conclusão é clara — nem o divórcio nem o novo casamento são permitidos!

Lucas 16:18

Este versículo em Lucas é a última referência que temos ao ensino do Senhor sobre este assunto. Há dois fatores importantes a destacar:

O contexto

Este versículo parece estar fora de contexto. Contudo, há três coisas que devem ser observadas. A primeira é que, no contexto, o Senhor está enfatizando impossibilidades, por exemplo:
  • “Não podeis servir a Deus e a Mamom” (16:13);
  • “… os que quisessem passar daqui para vós não poderiam” (16:26);
  • Também, é impossível “cair um til da lei” (v. 17);
  • Assim, também o divórcio é impossível!
O segundo assunto enfatizado é o contraste entre o que é de “grande estima” e o que é de “pouca estima”. Os fariseus “que eram avarentos” (v. 14) claramente enalteciam a busca pela riqueza e possessões. Mas isto era “abominação perante Deus” (v. 15). Nos vs. 16-18 o que eles estimavam pouco em relação à lei e ao matrimônio, era o que Deus elevava. Eles desprezavam a lei e os profetas e o padrão divino para o matrimônio. Porque davam pouco valor ao casamento, o divórcio e novo casamento eram comuns entre eles. O que eles desprezavam, Deus elevava.

O que segue também enfatiza este mesmo contraste. O que os homens estimam muito é agora representado pelo homem rico que perece. O mendigo pobre e pouco estimado pelos homens, representando a fé na Palavra de Deus (ilustrado pela referência ao seio de Abraão, o pai dos fieis) é abençoado.

O terceiro aspecto do contexto imediato é a ligação com “a lei” (vs. 17-18). Aqui no v. 18 a lei do matrimônio está implícita: não pode falhar! Vem desde o “princípio”, como vemos em Mateus 19 e Marcos 10, assim dando a base para os princípios que indicam a continuidade e a estabilidade do relacionamento matrimonial.

A ausência da cláusula de exceção

Lucas (um gentio) está escrevendo para gentios — assim não há a cláusula de exceção. O ensino deste versículo é imutável e, portanto, pertinente e permanente nesta presente dispensação. Não poderia haver uma afirmação mais clara sobre a indissolubilidade do vínculo matrimonial.

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