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Cap. 10 — O adultério pode ser perpétuo?

Thomas Wilson

Alguns princípios

Quando o Senhor Jesus confrontou a mulher samaritana sobre o seu pecado, ambos concordaram que o relacionamento dela não podia ser honrado por Deus porque não era um matrimônio. A mulher reconheceu que o homem com quem estava não era seu marido quando disse: “Não tenho marido” (Jo 4:17). Talvez a intenção desta afirmação fosse enganar, mas o Senhor não deixa nenhuma dúvida sobre o Seu julgamento deste relacionamento: “… o que agora tens não é teu marido” (Jo 4:18). Qualquer que fosse a natureza do seu relacionamento, ela e seu parceiro foram condenados, e também o seu relacionamento.



Ao condenar aquele relacionamento, o Senhor estabeleceu três princípios:
  • Que a natureza criacionista do matrimônio significa que suas exigências têm de ser cumpridas tanto pelo samaritano como pelo judeu e, consequentemente, tanto pelo gentio como pelo judeu.
  • Que mesmo numa sociedade dominada pelo homem, uma mulher que faz parte de um relacionamento ilícito também tem uma certa responsabilidade.
  • Que a ilegitimidade do relacionamento não diminui com o tempo. O adultério continua até o fim do relacionamento.
No Cap. 3 deste livro já consideramos a repreensão pública a Herodes Antipas por causa do seu casamento com Herodias, que era mulher do seu irmão Filipe. As palavras duras de João não dão margem para imaginar que mais tarde poderia haver uma mudança no veredito do Céu sobre o relacionamento do rei. Hoje, em circunstâncias semelhantes, e em relação à associações de pessoas importantes, a opinião pública pode mudar. Mas João ficou firme contra qualquer tolerância dos bajuladores do século I, e seus termos são inequívocos: “Não te é lícito possuí-la” (Mt 14:4). Embora Herodes e Herodias fossem divorciados, não havia qualquer base bíblica para o novo casamento.

Devemos notar que Herodias era a filha de Aristóbulo, que era o irmão de Filipe e de Herodes. Assim o casamento de Filipe com Herodias, sua sobrinha, foi com uma “parenta da sua carne”, e foi em desobediência às Escrituras (veja Lv 18:6-20). Mesmo se Herodias nunca tivesse sido casada antes, a lei de Deus teria condenado Herodes, assim como condenava Filipe. Por isso, Herodes estava violando o princípio divino de matrimônio, estabelecido antes do dilúvio, e também os mandamentos da lei, estabelecidos depois do dilúvio.

A censura de João em relação a Herodes estabelece três princípios:
  • Que os poderes civis não podem modificar os princípios divinos de casamento estabelecidos pelo “fiel Criador” (I Pe 4:19). Lembramos que a autoridade civil foi estabelecida em Noé depois do dilúvio. Assim, os princípios divinos que eram desde o “princípio” (Mt 19:8) permaneciam invioláveis diante das mais altas autoridades civis. O fato de Herodes ser rei não legalizou os seus atos.
  • Que divórcio não dá liberdade para se casar de novo (este assunto é tratado detalhadamente em outra parte deste livro).
  • Que a ilegitimidade do relacionamento não diminui com o tempo. O uso e praxe não modificam o veredito do Céu sobre este relacionamento. Eles continuariam em adultério até o fim do relacionamento. Herodias certamente entendeu que a condenação de João continuaria enquanto ela estivesse com Herodes, e foi por isto que a cabeça de João logo estaria num prato.
Os dois casos mencionados, da samaritana e de Herodes, nos permitem concluir que, em qualquer sociedade, as intenções originais de Deus permanecem, e que a legislação civil não justifica ninguém de desprezar o que era desde “o princípio”. Os dois casos também estabelecem a responsabilidade da criatura para com o Criador, em relação ao casamento. A falha em não reconhecer esta responsabilidade é pecado. Aqueles que continuam em relacionamentos ilícitos continuam em fornicação ou adultério.

O ensino do próprio Senhor

Quando o Senhor Jesus enunciou os princípios divinos que governam o matrimônio, Ele enfatizou o que era desde “o princípio”. Ele enfatizou estes princípios numa sociedade que tinha aceitado, sem questionar, o divórcio e o novo casamento “por qualquer motivo” (Mt 19:3). No relato deste ensino, nos evangelhos, o Espírito de Deus usa o tempo perfeito do verbo na frase traduzida “no princípio não foi assim” (Mt 19:8, VB), enfatizando o significado permanente daqueles princípios estabelecidos no jardim do Éden. Em Mt 19:9, uma conclusão apresentada pelo Senhor reconhece as consequências perpétuas de entrar num relacionamento baseado em atitudes sociais aceitáveis, quando aquele relacionamento viola os princípios divinos que existem desde o princípio. O Senhor diz: “Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de fornicação (pornéia), e casar com outra, comete adultério; e o que casar com a repudiada também comete adultério”. A interpretação da frase, “não sendo por causa de fornicação” é considerada no cap. 3 deste livro, e não é nosso assunto agora neste capítulo.

O Senhor destaca a decisão crucial que o casamento representa para aquele homem que divorcia a sua mulher “a não ser por fornicação”. A natureza crucial desta decisão é enfatizada pelo Espírito de Deus com o uso do tempo aoristo dos verbos (no grego) usados neste versículo: “casar” e “o que casar”. A legitimidade deste casamento precisa ser considerada antes de se tomar o passo. O Senhor, sem ser influenciado pelo temor dos homens, enfatiza que aquele que divorcia sua mulher pode tomar um passo, ao se casar de novo, que o conduza a cometer adultério, mesmo se não casar com uma mulher divorciada. Aqui o Senhor também trata do caso do homem que casa com uma mulher divorciada (não sendo por causa de fornicação). Nenhum destes homens pode escapar da grande responsabilidade que cai sobre seus ombros de considerar a seriedade deste casamento. O Céu testemunhou a sua primeira união. De fato, se ele fosse sensível à voz de Deus, ele ouviria ecoando por todos os lados: “O Senhor foi testemunha entre ti e a mulher da tua mocidade, com a qual foste desleal” (Ml 2:14). No primeiro caso, “se repudiar sua mulher, se não por fornicação, e casar de novo comete adultério” são os termos claros do Grande Legislador, que bem sabia das consequências para a sociedade quando o matrimônio é corrompido. No segundo caso, os termos do Senhor são igualmente inflexíveis. As Suas palavras: “Eu vos digo, porém” indicam como a Sua autoridade pessoal autentica este ensino.

Mas, será que o Senhor aqui está dizendo que entrar num relacionamento adúltero significa que este adultério continua enquanto o relacionamento durar? Duas vezes no versículo que estamos considerando, o tempo do verbo “comete [adultério]” é mudado (no grego) para o tempo presente contínuo. A mudança certamente é importante.

Um irmão, conhecido do autor (devemos enfatizar que este irmão não se apresentou como perito em gramática), sugeriu que é apenas o primeiro relacionamento físico do casal, depois do novo casamento, que é um ato de adultério; depois disto haveria a aprovação do Céu. Contudo, mesmo que a gramática apoiasse tal interpretação, aquele primeiro ato de adultério seria o suficiente para condenar o relacionamento. O versículo reconhece a solene realidade de um homem e uma mulher entrarem num relacionamento adúltero. Aquele que guarda os mandamentos do Senhor (João 14:21, 23) examinará cuidadosamente o que Ele ordena em relação ao casamento. A alma obediente reconhecerá que há uma possibilidade grave de alguém se envolver num relacionamento ilícito de adultério contínuo.

O ensino dos apóstolos

Vemos claramente que o ensino de Paulo sobre o matrimônio, em I Coríntios 7, está baseado no próprio ensino do Senhor (veja Cap. 6 deste livro). As suas frequentes advertências contra a fornicação e o adultério nas suas epístolas mostram enfaticamente a sua atitude firme em relação a este ensino do seu Senhor. Paulo transmitiu aquelas advertências como mandamentos do Senhor e ele, como os outros apóstolos, esperavam que “qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da iniquidade” (II Tm 2:19), inclusive das relações sexuais ilícitas, em obediência ao ensino apostólico (veja At 15:28-29). Os que não eram herdeiros do reino de Deus talvez cometeriam estes pecados graves, como os coríntios haviam feito no passado (I Co 6:9-10). Contudo, era de se espera que, agora como filhos de Deus, não continuassem naqueles pecados dos quais foram lavados. João nos informa que uma das características de um filho de Deus (que é nascido de Deus), é que ele “não comete pecado” (I Jo 3:6, 9). De fato, João vai além disso quando liga o salvo com a doutrina apostólica, seja em relação à moralidade ou em relação a qualquer outro assunto: “Nós [apóstolos] somos de Deus; aquele que conhece a Deus ouve-nos; aquele que não é de Deus não nos ouve” (I João 4:6). Convém que todos os que conhecem a Deus tomem grande cuidado em manter, através de sua vida e palavras, o ensino apostólico sobre o matrimônio. Também convém que todos os que ensinam a Palavra, manifestem grande cuidado em explicar claramente as exigências do caminho estreito.

Enquanto Paulo trata da mudança no estilo de vida dos coríntios, em I Co 6:11, não há nenhuma sugestão de que eles voltariam aos seus velhos caminhos. Ele mostra certeza de que não voltariam aos dez pecados que acabou de condenar, pois eram contrários ao reino de Deus. Paulo observa como Deus tinha trabalhado nos seus corações: “haveis sido santificados” e “haveis sido justificados”, mas também os lembra que não eram meramente passivos nesta obra de transformação: “vós vos lavastes” (ARA). Pode ser que Paulo está lembrando das palavras que ouviu de Ananias: “Levanta-te, e batiza-te, e lava os teus pecados” (At 22:16), pois é o mesmo verbo “lavar-se” que é usado nos dois versículos, no original. Vemos com clareza que Ananias pediu um ato público de Paulo, que provaria a todos que ele tinha se desassociado de tudo que praticava anteriormente. Assim, seria um passo sério pelo qual ele teria de aceitar a responsabilidade. A base do perdão dos seus pecados foi o sangue de Cristo, mas a sua confissão pública, no batismo, era a prova de que ele reconhecia a gravidade daqueles pecados e que não voltaria a praticá-los. É neste sentido que Paulo diz aos coríntios, “vós vos lavastes”. Pelo seu ato voluntário de renunciar seus terríveis pecados, os quais nenhum salvo poderia aprovar, eles aceitaram a responsabilidade de abandonar tais coisas. Se alguém pensasse em voltar àquelas coisas, Paulo poderia ter perguntado: “Permaneceremos no pecado?” (Rm 6:1). Será que a volta ao pecado de sodomia (homossexualidade) é aceitável a Deus? Será que a volta à bebedice seria aceitável? Ou à idolatria? O adultério também não é aceitável. Somente desobediência levará alguém a cometer este terrível pecado. Aqueles que herdam o reino de Deus não são conhecidos por esta desobediência evidente, obstinada e contínua.

O adultério perpétuo é possível?

Concluímos que aqueles que, por causa de desobediência ou ignorância dos ensinos do NT, entram numa união matrimonial ilícita, cometem adultério. Enquanto continuarem neste relacionamento, eles estão vivendo em adultério contínuo:
  • Quer sejam judeu ou gentio;
  • Quer sejam homem ou mulher;
  • Mesmo se a lei do país reconhece tal união, e
  • Mesmo se o relacionamento seja de muito tempo.
O ensino do Senhor confirma o princípio inicial de Deus para o casamento, um ensino que é reforçado, de forma constante, nos ensinos e na prática apostólica.



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