O que Deus ajuntou … (c)

Cap. 2 — O matrimônio pertence à Criação ou ao Cristianismo?

James D McColl

Antes de considerar esta pergunta diretamente, vamos examinar o conceito do casamento, de uma perspectiva bíblica. Afinal de contas, a instituição do casamento originou-se com Deus.



Livrarias, especialmente as evangélicas, estão cheias de livros sobre o casamento e assuntos vinculados a isso. Eles se concentram nos métodos empregados na escolha de um cônjuge idôneo, na solução dos problemas matrimoniais, e em como ter um casamento durável e feliz. Há também conselheiros matrimoniais descrentes que fornecem suas opiniões e soluções alternativas, que eles consideram que satisfarão os desejos e caprichos de muitos na nossa sociedade moderna. O conceito bíblico sobre o casamento está sendo comprometido, atacado e condenado por muitos hoje em dia, e por esta razão é importante considerar a origem da instituição do casamento.

O livro de Gênesis, o livro dos “princípios”, nos dá informações vitais sobre a origem de todas as coisas e, portanto, sobre o significado de todas as coisas, informações essas que, de outro modo, seriam completamente desconhecidas. O estado universal e estável do casamento e do lar, numa cultura social monogâmica patriarcal, é descrito em Gênesis como sendo ordenado por Deus. É exatamente isto que o Senhor Jesus afirmou quando lhe fizeram a pergunta sobre divórcio e novo casamento: “… mas no princípio não foi assim” (Mt 19:8).

Outra pergunta relacionada com o título deste capítulo é: Deus reconhece a união matrimonial entre duas pessoas descrentes? À luz das Escrituras, a resposta é sim. Em I Coríntios, Paulo lembrou os crentes em Corinto da sua vida pecaminosa antes da conversão, e incluído na lista dos pecados que ele mencionou está o adultério. “Nem os devassos [fornicadores], nem os idólatras, nem os adúlteros … herdarão o reino de Deus. E é o que alguns tem sido, mas haveis sido lavados, mas haveis sido santificados, mas haveis sido justificados em nome do Senhor Jesus, e pelo Espírito do nosso Deus” (I Co 6:9- 11).

O adultério é a violação deliberada do contrato matrimonial por qualquer um dos cônjuges, através de uma relação sexual com uma terceira pessoa. É esta palavra “adultério” (moicheia) que encontramos em relação a homens, em Mt 5:32, e em relação a mulheres em Mc 10:12.

Em Mt 14:1-12 vemos uma ilustração disso na ação cruel e covarde de Herodes Antipas. Depois de casar-se com uma filha de Aretas, rei da Arábia, ele fez propostas imorais a Herodias, que era esposa do seu irmão Filipe. Ela o aceitou, e começaram a viver juntos, em pecado. João Batista corajosamente reprovou este relacionamento ilícito, e repreendeu Herodes por ter tomado Herodias, “mulher de seu irmão Filipe”, e por causa disto ele sofreu uma morte violenta. É muito importante observar como João se refere claramente a Herodias como sendo ainda a mulher do seu irmão, provando que Deus reconhece o casamento entre descrentes e também condena qualquer violação do casamento. A condenação pública deste relacionamento adúltero é feita na afirmação: “Não te é lícito possuí-la” (Mt 14:4).

Consideremos agora alguns aspectos do casamento, baseados especificamente no livro de Gênesis.

a. O matrimônio e sua instituição

“E disse o Senhor: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma ajudadora … Então o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu … formou uma mulher e trouxe-a a Adão” (Gn 2:18, 21-22). “Porém, desde o princípio da criação, Deus os fez macho e fêmea” (Mc 10:6).

Note a ênfase na identificação de masculinidade e feminilidade. No sexto dia da Criação, Deus formou o homem “do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida, e o homem foi feito alma vivente” (Gn 2:7). O barro sem vida se tornou vivo pelo sopro de um Deus Criador.

Entretanto, o Seu plano não estava completo ainda, e lemos: “Não é bom que o homem esteja só, far-lhe-ei uma ajudadora idônea para ele” (Gn 2:18). Isso mostra claramente que a instituição do casamento, por Deus, foi pela união de um homem e uma mulher, os dois (e somente dois) se tornando um.

b. O matrimônio e sua união

“E disse Adão: Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada Mulher [Issah, no hebraico], porquanto do Homem [Ish, no hebraico] foi tomada. Portanto deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne” (Gn 2:23-24). “Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem” (Mc 10:9). “Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher; e serão dois numa carne” (Ef 5:31). Estas passagens clássicas estabelecem o conceito bíblico e a natureza do casamento. Este é o plano de Deus para o estado matrimonial. Quando Adão acordou do seu profundo sono, ele abriu seus olhos e viu o rosto da mulher que Deus havia providenciado especialmente para ele. Deus poderia ter suprido uma infinidade de mulheres para Adão, mas foi o intento de Deus fazer desta forma.

As primeiras palavras de Adão, faladas talvez com surpresa, gratidão e êxtase, foram estas: “Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne, esta será chamada Mulher, porquanto do Homem foi tomada”. Literalmente, ele disse: “Esta finalmente osso — meu osso! Carne — minha carne! Esta será chamada mulher porque do homem foi tomada” (Gn 2:23). Quando perguntaram ao Senhor Jesus, tentando-o: “É lícito ao homem repudiar a sua mulher?” (Mc 10:2), Ele respondeu fazendo-os lembrar do que aconteceu no princípio da Criação, destacando três afirmações impressionantes:

“Deixará pai e mãe …”

Isto não significa abandonar os pais, pois as Escrituras claramente afirmam: “Honra a teu pai e a tua mãe …” (Mt 15:4). Entretanto significa mais do que sair de casa. Para os pais, significa abrir mão da sua autoridade sobre seus filhos. Para os filhos, significa aceitar plenamente esta liberdade. Assim a noiva, pelo consentimento de ambos os lados, deixa uma liderança para aceitar outra. A mulher está sempre sob autoridade. Este é o plano divino. O momento quando a noiva é dada em casamento, pelos seus pais, é sempre um momento emocional importante na cerimônia de casamento.

“Apegar–se-á à sua mulher”

Isso inclui um relacionamento que é exclusivo, especial e recíproco. A expressão significa “ser colados um ao outro” em casamento. É visto como um relacionamento permanente, até a morte. Infelizmente, hoje, este aspecto do casamento está sendo desprezado e abandonado por muitos.

“Serão uma só carne”

Isto aconteceu no jardim do Éden quando Deus trouxe a mulher ao homem, e disse: “Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra …” (Gn 2:28). Não há dúvida que Adão e Eva eram “uma só carne” antes da sua união física. É importante notar que Adão chamou Eva de sua mulher quatro vezes antes de lermos que ele a conheceu. Deus estabeleceu esta ordem para toda a humanidade, assim assegurando a dignidade do casal e a segurança das crianças nascidas deste casamento.

As referências nas Escrituras a “uma só carne” são muito significativas, e dão um ensino precioso sobre a indissolubilidade do casamento. Encontramos estas referências em Gn 2:24; Mt 19:5-6; I Co 6:16-17 e Ef 5:31-32.

“… e serão dois numa carne” (Ef 5:31). Assim como marido e mulher, no sentido físico, formam os elementos de uma pessoa completa, um sendo o complemento do outro, assim também a Igreja, na esfera espiritual, é o complemento de Cristo. A Igreja, que é o Seu corpo, compartilha uma união de vida e energia com Ele. Os salvos gozam de unidade orgânica vital e indissolúvel com Cristo, o Cabeça. A Igreja é descrita como sendo “a plenitude daquele que cumpre tudo em todos” (Ef 1:23). Ela é o complemento dEle. Sem a Igreja, que é o Seu corpo, o Senhor Jesus estaria eternamente sem uma noiva. Esta Escritura estabelece, não somente a intimidade da união espiritual, mas também a sua indissolubilidade.

As três expressões em I Coríntios 6 (“um corpo”, “uma só carne” e “um mesmo espírito”) têm diferenças que devemos observar:
  • “Um corpo” é uma união física (v. 16);
  • “Uma só carne” é uma união matrimonial (v. 16);
  • “Um mesmo espírito” é uma união espiritual (v. 17).

• “… o que se ajunta com a meretriz, faz-se um corpo” (I Co 6:16). Isto fala de uma união proibida e impura. A ausência de amor puro e lealdade são evidentes. É impossível encontrar uma união instigada e promovida por afeição genuína neste relacionamento ilícito e degradante. Nada mais é do que uma união física, fornecendo gratificação torpe entre um macho e uma fêmea.

• “Porque serão, disse [Deus], dois numa só carne” (I Co 6:16). Isso apresenta um aspecto completamente diferente sobre a união de duas pessoas. A palavra “carne” realmente significa “pessoa”, embora cada parte retenha a sua identidade individual, e responsabilidades diferentes no relacionamento. As duas pessoas até começam a pensar, agir e sentir como uma só pessoa. Ef 5:28-31 indica que o relacionamento é tão íntimo que o que o marido faz (seja de bom ou de mal) para sua esposa, ele faz também para si mesmo, visto que os dois são uma só carne.

A união sexual não é a mesma coisa que a união matrimonial. O casamento é uma união que indica uma união sexual, como uma obrigação e prazer importantes (I Co 7:3-5), mas o casamento tem de ser visto como algo diferente de, e maior do que, mas que inclui, a união sexual. Entretanto as duas coisas não são sinônimas. A afirmação original feita por Deus na Criação deixa este fato bem claro. Quando Deus trouxe Eva a Adão Ele disse: “Portanto deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne” (Gn 2:24). Obviamente, Deus tinha em mente as gerações futuras, pois Adão e Eva não tiveram pais.

• “Mas o que se ajunta com o Senhor é um mesmo espírito” (I Co 6:17). Isto se refere, sem dúvida, à união incomparável entre o Senhor Jesus e a Igreja, que é o Seu Corpo. Esta união é, necessariamente, mais profunda e mais íntima do que qualquer união física ou matrimonial.

No livro de Rute lemos dos dois casamentos dela. Seu primeiro casamento aconteceu na terra idólatra de Moabe, onde ela se tornou a esposa de Malom, filho de Elimeleque e Noemi. Este casamento terminou com a morte de Malom. Mais tarde, e pouco tempo antes do seu casamento com Rute, Boaz diz: “também tomo por mulher a Rute, a moabita, que foi mulher de Malom” (Rt 4:10). Deus reconheceu ambos os casamentos de Rute.

Embora não lemos de qualquer cerimônia de casamento, é evidente que muitas pessoas testemunharam a união em matrimônio santo entre Boaz e Rute. A formação deste novo relacionamento de marido e mulher foi confirmada e testemunhada pelos anciãos e pelo povo. É evidente que Boaz satisfez todas as exigências legais e, visto que Malom estava morto, Boaz estava livre para agir desta maneira, em amor puro e abnegado para com Rute.

Em Rt 4:13 vemos três coisas importantes referentes ao casamento:

“Assim tomou Boaz a Rute, e ela lhe foi por mulher”.

Tendo tomado-a, Deus os ajuntou, e isto é exclusivo à união matrimonial. Quão apropriadas as palavras do Senhor Jesus em Mateus: “Portanto, deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, e serão dois numa só carne. Assim não são mais dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem” (Mt 19:5-6).

“E ele a possuiu …”

Esta é uma referência clara à união física, que é permitida somente dentro do relacionamento matrimonial. É importante observar, porém, que este ato nunca deve ser considerado como o início da união matrimonial, senão, qualquer ato de fornicação constituirá um laço matrimonial e, portanto, cada novo ato de fornicação com o mesmo parceiro se tornará lícito. Quando estes dois atos distintos, de tomá-la como esposa e depois possuí-la, são vistos numa perspectiva correta, torna-se claro que a união física não faz, nem desfaz, o laço matrimonial. I Co 6:18 e 7:10-11 não indicam que a fornicação desfaz o laço matrimonial. Estes versículos não fornecem uma base para o argumento que a “cláusula de exceção” permite o divórcio.

“E o Senhor lhe fez conceber, e deu à luz um filho.”

Aqui Deus é visto como o Doador da vida humana. Além disto, como vemos neste caso específico, a Sua bênção foi evidenciada no nascimento de um filho. Foi a intenção de Deus que a instituição do casamento produzisse filhos, e para cada casal judaico temente ao Senhor, sempre havia a alegre expectativa do Messias prometido.

Desta bela união matrimonial, o Messias prometido finalmente viria: “E Boaz gerou a Obede, e Obede gerou a Jessé, e Jessé gerou a Davi” (Rt 4:21-22). Desta linhagem, mais de um milênio depois, veio o Messias-Salvador.

Uma coisa preciosa é dita sobre Boaz e Rute, em relação à sua conduta antes de se ajuntarem em união matrimonial e física: “ … e levantou-se antes que pudesse um conhecer o outro” (Rt 3:14). Nada indecente aconteceu, provando a maturidade do caráter dos dois. Eles tiveram domínio próprio sobre o que poderia ter-se tornado uma situação muito perigosa. Portanto, estavam em condições ideais para se casarem, com toda o potencial para desenvolverem um relacionamento durável e feliz. Vivemos num tempo quando muitas pessoas estão propagando ideias diferentes sobre o casamento. Alguns dizem que o casamento convencional é restritivo, que as crenças tradicionais sobre o casamento são antiquadas, e que somente ao escapar da armadilha do casamento é que uma pessoa pode estar livre para se desenvolver como indivíduo. Nós insistimos que o casamento foi instituído por Deus, com a intenção de que fosse permanente e desfeito somente pela morte.

c. O matrimônio e sua violação

“E tomou Lameque para si duas mulheres …” (Gn 4:19). Lameque, um descendente de Caim, e a sétima geração depois de Adão, foi o homem que levou os seus descendentes a se rebelarem abertamente contra Deus. Ele começou por desafiar o princípio estabelecido por Deus sobre a monogamia, em Gênesis 2. Lameque mudou a instituição e composição de Deus para o casamento, porque ele teve duas mulheres ao mesmo tempo. Isto insultou o plano de Deus para a vida matrimonial. Sua ação foi uma negação nítida da instituição de Deus do casamento, e uma violação deliberada da constituição criatorial de um homem e uma mulher. À luz da sua rejeição do plano de Deus, e da tendência atual na nossa sociedade, seria conveniente sublinhar a forte injunção achada em Hebreus: “Venerado seja entre todos o matrimônio e o leito sem mácula; porém, aos que se dão à prostituição, e aos adúlteros, Deus os julgará” (Hb 13:4).

O matrimônio é uma instituição e um relacionamento santo, feliz e honroso. Foi estabelecido por Deus no Jardim do Éden, santificado pela presença do Senhor Jesus no casamento em Cana da Galileia e pronunciado como venerado pelo Espírito Santo (Hb 13:4). Este versículo revela que devemos guardá-lo de qualquer mancha de impureza e lascívia. O casamento não é certidão de respeitabilidade para aqueles que são casados, mas uma obrigação de se usar o relacionamento de maneira que honre a Deus, pois Deus julgará qualquer violação da sua santidade, quer seja por negligência ou pelo uso incorreto. O casamento exige lealdade e sinceridade, e também amor e afeição, e não deve ser contraído de maneira frívola e irresponsável. Todos serão responsáveis perante Deus.

Talvez seria apropriado registrar aqui “A cerimônia do Casamento” de acordo com a lei australiana:

Extraído de um documento oficial publicado pelo governo da Austrália, país de residência do autor: Handbook for Marriage Celebrants, Canberra. Australian Government Publishing Services, 1979. Pág. 26.


Quando um casamento for realizado por, ou na presença de, uma pessoa autorizada para realizar casamentos, a pessoa autorizada dirá aos cônjuges, na presença de testemunhas, as seguintes palavras: “Eu estou devidamente autorizado pela lei para realizar um casamento de acordo com a lei. Antes de vocês serem unidos em casamento, na minha presença e na presença destas testemunhas, eu tenho de lembrá-los da natureza solene e permanente do relacionamento em que vocês estão para entrar. O casamento, de acordo com a lei da Austrália, é a união de um homem e de uma mulher, com a exclusão de todos os outros, assumida voluntariamente e para toda a vida.”
Esta declaração reflete, com clareza, a natureza e o caráter criacionista do casamento, como estabelecido em Gn 2:18-25, e como afirmado pelo Senhor Jesus em Mc 10:6.

d. O matrimônio e seu procedimento

“Assim não são mais dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem” (Mt 19:6). “Portanto, o que Deus ajuntou, não o separe o homem” (Mc 10:9). “… sendo ela a tua companheira, e a mulher da tua aliança” (Ml 2: 14).

O plano de uma união permanente é outra dimensão do casamento na Bíblia. A intenção divina é que o casamento seja para a vida toda. Em Mateus, o Senhor Jesus afirma isto claramente: “… o que Deus ajuntou, não o separe o homem” (Mt 19:6). Às vezes a Palavra de Deus ilustra esta união usando a figura de uma “aliança”. Malaquias visualiza Deus como uma “testemunha entre ti e a mulher da tua mocidade, com a qual tu foste desleal, sendo ela a tua companheira, e a mulher da tua aliança” (Ml 2:14).

Citamos agora o que E. H. Merill escreveu, ao tratar deste versículo no seu comentário sobre Malaquias:
A impressão que temos aqui é que muitos judeus tinham se divorciado de suas mulheres para se casarem com mulheres pagãs. Isso, diz Malaquias, é agir com “deslealdade” (v. 14). O mesmo verbo “desleal” (bâgad no hebraico) já foi usado várias vezes pelo profeta, e uma análise cuidadosa do seu uso esclarece a questão toda aqui. No v. 10, onde a palavra é traduzida “agimos aleivosamente” (“desleais”, ARA), ela é usada no sentido de quebrar a aliança, neste caso, as estipulações da aliança Mosaica, que proibia casamentos com as nações pagãs. O v. 11 confirma esta ligação por associar a deslealdade com a profanação do santuário (da aliança), o qual Deus ama. Portanto, a “deslealdade” mencionada no v. 14 deve também estar ligada à violação de uma aliança, e de fato está, como o v. 16 prova além de qualquer dúvida. Mas aqui não é mais a deslealdade à aliança recebida por Moisés, mas, deslealdade à aliança feita pelo casamento, que uniu marido e mulher. Tal aliança, embora não seja especificamente estipulada no VT, é um acordo legal de união entre um casal, tendo Deus como Testemunha. Para o judeu abandonar sua mulher e casar-se com outra, especialmente uma estrangeira, não era apenas moralmente repugnante, mas legalmente proibido. “A mulher da tua mocidade”, continua o profeta, não é alguém que pode ser levianamente deixada, mas é, de fato, uma “companheira”, uma “consorte” (habereth no hebraico), ligada inextricavelmente ao seu marido pela garantia de uma aliança.
A intenção divina sobre a permanência do matrimônio é também afirmada pelo Senhor Jesus no Evangelho de Lucas: “Qualquer que deixa sua mulher, e casa com outra, adultera e aquele que casa com a repudiada pelo marido, adultera também” (Lc 16:18). Neste versículo Ele resume a intenção criacionista em relação à união matrimonial. Em Mc 10:6-9 Ele novamente enfatiza a natureza e caráter criacionista do casamento como estabelecido em Gn 1:27; 2:24, ao dizer: “Porém, desde o princípio da criação, Deus os fez macho e fêmea. Por isso deixará o homem a seu pai e mãe, e unir-se-á a sua mulher, e serão os dois uma só carne … Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem”.

Alguns comentaristas desconsideram completamente Lc 16:18, outros têm dificuldades em reconhecer o seu significado contextual, e ainda outros o aplicam somente à experiência dos salvos. Contudo, Lucas especificamente relata que o Senhor falava aos Seus discípulos (Lc 16:1) e também aos fariseus (Lc 16:14-15), mostrando claramente que tanto os discípulos (salvos) como os fariseus (descrentes) estão incluídos neste discurso.

Surgem, deste discurso, certas questões morais e espirituais que têm uma relação positiva com a afirmação do Senhor Jesus no v. 18, onde Ele diz que o divórcio conduz ao adultério. Incluídas neste capítulo estão as questões morais e éticas de mordomia, responsabilidade, compromisso, lealdade, auto justificação, cobiça, a necessidade de integridade em relação à lei, e a autoridade suprema das palavras do Senhor Jesus Cristo. Tais fatores estabelecem a ligação entre os três temas principais abordados por Ele neste capítulo.
  • Responsabilidade quanto à mordomia (vs. 1-17);
  • Responsabilidade quanto ao casamento (v. 18);
  • Responsabilidade quanto às possessões materiais (vs. 19-31).
Lc 16:16-18 enfatiza a grande importância de autoridade e de valores. Os fariseus deliberadamente deixaram de lado a lei para seguirem sua conduta, e zombavam do ensino de Cristo. A Sua declaração autoritária, proibindo o divórcio que conduz ao adultério, é uma indicação clara desta autoridade. Ele também mostra que a justiça rejeita os atos imorais e não éticos nos relacionamentos matrimonias. Sua referência ao reino enfatiza o valor do compromisso com Deus e com os outros. Ele revela o padrão da ética, dizendo, com efeito, que se alguém faz um voto de se casar e ser fiel ao cônjuge perante Deus, e depois desfaz este voto ao entrar em outro relacionamento matrimonial, ele comete adultério porque o voto original não foi cumprido.

O divórcio é a violação de uma aliança tripla entre Deus, o marido e a mulher. Enquanto a essência da justiça é integridade, a essência do pecado, neste caso, é a violação da promessa feita a Deus e a outros.

Resumindo, as Sagradas Escrituras enfatizam que o casamento é um estado permanente para todos os que têm contraído matrimônio. Devemos lembrar que a união do casamento é formal, pública, legal, sagrada e um contrato permanente.

e. O matrimônio e sua intenção

“E disse o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma ajudadora idônea para ele” (Gn 2:18). “Salvar-se-á, porém, dando à luz filhos, se permanecer com modéstia na fé, no amor e na santificação” (I Tm 2:15). “Mas, por causa da prostituição, cada um tenha a sua própria mulher, e cada uma tenha o seu próprio marido” (I Co 7:2).

Este assunto pode ser tratado de três maneiras:

O matrimônio é para companheirismo

“… far-lhe-ei uma ajudadora idônea” (Gn 2:18). Esta frase significa que ela está em harmonia com ele, ou se aproxima dele. O casamento é uma parceria. Deve haver união de propósito, atitude e compromisso. Para muitos, o casamento resolve o problema da solidão. Companheirismo deve ser a essência do casamento. A vida, sem o casamento, seria difícil e enfadonha para muitas pessoas. Por esta razão, consideração e não comentários insensíveis e imprudentes devem ser oferecidos aos solteiros. As viúvas idosas (como Ana em Lucas 2) e os viúvos que se abstém de casar de novo devem receber a nossa admiração. Não que seja errado para viúvos ou viúvas casarem novamente, pois Paulo encoraja as viúvas mais novas a se recasarem, assim evitando a possibilidade do adversário de maldizer (I Tm 5:14).

O matrimônio é para a reprodução

“… macho e fêmea os criou. E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra” (Gn 1:27-28). “Salvar-se-á, porém, dando à luz filhos, se permanecer com modéstia na fé, no amor e na santificação” (I Tm 2:15). Macho e fêmea os criou; não macho e macho, ou fêmea e fêmea. Os estilos alternativos que estão sendo propagados hoje, junto com o aumento nos divórcios e novos casamentos, só podem resultar numa sociedade instável e degenerada. A procriação de filhos é o resultado normal do casamento, e Deus planejou que os filhos fossem nascidos e criados num ambiente estável e carinhoso, onde cuidado e disciplina pudessem ser aplicados. Nos casamentos desfeitos são as crianças que mais sofrem, e este fato deve receber a devida consideração.

O matrimônio é para preservação

“Por causa da prostituição [imoralidade] cada um tenha a sua própria mulher, e cada uma tenha o seu próprio marido” (I Co 7:2).

Este ensino serve para salvos e descrentes. O propósito de Deus, desde a Criação, continua o mesmo. A obra de Cristo no Calvário tratou do pecado resultante da queda e suas consequências, mas não mudou as leis morais de Deus em relação ao casamento e aos relacionamentos matrimoniais. Este versículo está ensinando sobre o casamento monógamo — um homem e uma mulher, suprindo a proteção contra a imoralidade sexual. Uma união matrimonial saudável não somente é uma grande ajuda, mas é uma necessidade absoluta. Esta injunção mostra que a satisfação das necessidades sexuais dentro do casamento é correta, que somente a monogamia deve ser praticada, que a fidelidade sexual é obrigatória para cada cônjuge e que o celibato não é o normal para a maioria das pessoas.

Citamos agora A. W. Pink, no seu comentário sobre Hebreus:
A instituição divina do matrimônio ensina que o estado ideal, tanto do homem como da mulher, não é em separação, mas em união, que cada um é feito para o outro, e que o ideal de Deus é que haja esta união, baseada em amor e lealdade, durante toda a vida, isento de qualquer concorrência ou outras associações.
Um Criador sábio e amável instituiu o matrimônio para o bem estar da humanidade. Na Bíblia, o casamento é visto como o laço primordial da sociedade, o alicerce da vida social. O matrimônio é o vínculo entre duas pessoas, um macho e uma fêmea. O desígnio sábio do Criador para um relacionamento matrimonial é heterossexual e monógamo, não polígamo. A injunção reprodutiva obviamente exclui “casamentos” homossexuais. A exclusividade perfeita de Deus de “uma só carne” proíbe qualquer outro relacionamento como homossexualidade, poligamia, fornicação, adultério, concubinato, incesto, bestialidade e prostituição cultual. Estas, e outras perversões sexuais, são violações da união íntima do relacionamento matrimonial, e eram frequentemente punidas com morte (Lv 20:1-19; Dt 22:13-27).

Em vista de tudo o que foi exposto neste capítulo, é bom lembrar que Deus ajuntou o homem e a mulher quando estavam num estado de inocência. Portanto, o matrimônio é a intenção divina original para o homem e a mulher, e não a Sua solução por causa da entrada do pecado. O matrimônio é parte da Criação e é o ideal exclusivo de Deus para o bem estar da humanidade.

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