O que Deus ajuntou … (e)

Cap. 4 — O matrimônio em Romanos 7

James R Baker
Embora Paulo nunca tivesse visitado a igreja em Roma, ele tinha um profundo interesse nela. Sendo o apóstolo aos gentios, ele sentia a sua responsabilidade em ajudar os santos ali na doutrina, e também na prática do seu desenvolvimento espiritual.



Sua carta a eles se divide em quatro partes nitidamente apresentadas; as primeiras três sendo doutrinárias e a quarta parte ensino prático. As divisões são as seguintes:
  • 1-5 – O Evangelho e a justiça de Deus – Judicial
  • 6-8 – O Evangelho e a santidade de Deus – Ética
  • 7-11 – O Evangelho e a fidelidade de Deus – Dispensacional
  • 12-16 – O Evangelho e o serviço de Deus – Prática
No início da parte judicial, Paulo trata dos assuntos fundamentais de “pecado” e “pecados”. Ele apresenta três testemunhas para provar que a raça humana, durante toda a sua história, está longe do padrão de Deus. Estas testemunhas são:
  • A Criação (cap. 1);
  • A consciência (2:1-16);
  • O concerto da Lei dada a Israel (2:17-3:3).
A última testemunha, a Lei, mostra que até o judeu, procurando viver pelo padrão da Lei e com seu sinal e selo de circuncisão, falhou.

Assim os homens de todos os tipos são comprovadamente culpados perante Deus. A solução divina à condição sem esperança da humanidade também é descrita nesta parte, que revela como Deus pode ficar justo e ao mesmo tempo ser o justificador “daquele que tem fé em Jesus” (3:26), e ao assim fazer ainda continua declarando Sua própria justiça. Uma descrição clara já foi dada, mostrando o meio usado para permitir que tal declaração fosse feita. É o produto da graça de Deus e a obra de reconciliação de Cristo pela Sua morte na cruz. As grandes verdades da redenção, propiciação e justificação são vistas como o alicerce pelo qual Deus pode oferecer perdão e bênção a todos.

Nosso interesse específico, neste livro, é nos capítulos 6-8, que formam o centro da parte doutrinária do livro de Romanos. A necessidade do pecador é demonstrada na parte anterior, mas aqui o ensino é para o salvo. Três áreas principais da vida cristã são consideradas. Em primeiro lugar: a questão do pecado na vida do salvo, e isto ocupa a maior parte do cap. 6. O próximo assunto, tratado no final do cap. 6 e no cap. 7, é o lugar da lei na vida dos salvos. A resposta completa às questões feitas nos caps. 6 e 7 é dada no cap. 8, onde os assuntos principais são o poder, a presença e a atividade do Espírito Santo na vida cristã. Não é nossa intenção, aqui, dar uma exposição detalhada desta parte da epístola, mas somente considerar os primeiros versículos do cap. 7, que falam sobre o matrimônio e sua indissolubilidade.

É interessante, e nos ajuda muito, observar um paralelo entre o começo do cap. 6 e do cap. 7. Como já notamos, o assunto do cap. 6 é o pecado e seu efeito na vida do salvo. No cap. 7 o assunto é a Lei e seu efeito na vida do salvo. Estes dois assuntos são tratados da mesma maneira. No cap. 6, o apóstolo começa fazendo uma pergunta: “Permaneceremos no pecado, para que a graça abunde?” Ele então faz uma afirmação baseada no fato que nós, em Cristo, temos morrido para o pecado. Isto conduz à conclusão clara “de modo nenhum”, ou “longe esteja tal pensamento”.

Em seguida ele usa como ilustração o batismo, e isto é seguido pela exposição doutrinária, com uma conclusão e uma aplicação final.

Encontramos a mesma ordem no cap. 7:



Uma vez que o assunto da lei foi mencionado, logo temos a afirmação de que a lei tem domínio sobre o homem enquanto ele vive. Em seguida, o matrimônio é usado como ilustração, seguido por uma exposição doutrinária, terminando com uma aplicação. Os mesmos que dizem que devemos ignorar a ilustração do matrimônio no cap. 7 como parte da doutrina, ensinam sem dificuldade a ilustração do batismo, no cap. 6, como sendo a principal passagem doutrinária daquele assunto.

Em ambos os casos, fica claro que o uso ilustrativo de doutrinas confiáveis está sendo empregado para apoiar as respectivas verdades ensinadas. Assim, uma consideração cuidadosa dos primeiros versículos dos dois capítulos mostrará que a doutrina do batismo é usada para ilustrar a nossa morte judicial ao pecado, e a doutrina da indissolubilidade do matrimônio, sendo a morte o único meio da sua dissolução, é usada para ilustrar a nossa morte judicial à lei. Ao observamos o paralelo mencionado acima, é interessante (e lamentável) observar como alguns ensinadores têm feito afirmações com a intenção de desviar, ou pôr de lado, o sentido claro daquilo que este texto das Escrituras diz sobre o casamento.

Um deles

Gunn, J. A Biblical History of Marriage Divorce and Remarriage, 2nd Imp. Ontario, Everyday Publications Inc, 1982.

escreveu:
É errado usar Romanos 7:1-3 numa discussão sobre divórcio. O apóstolo nesta passagem está usando os princípios originais do casamento ideal, de uma maneira ilustrativa. Ele não está afirmando qualquer ponto doutrinário, a não ser a sua dissolução com a morte.
Outro autor

Megaughan, M. Marriage and Divorce. Reading: Open Bible Trust, sem data.

diz: “Divórcio não é o assunto de Romanos 7; portanto não podemos tirar nenhuma conclusão deste trecho. O contexto é o relacionamento entre o salvo e a lei” . Se fizermos assim com o resto das epístolas, poderemos chegar ao ponto de questionar se qualquer passagem específica ensina alguma doutrina. Esta opinião distorcida das Escrituras nunca pode produzir a assimilação sadia da doutrina dos apóstolos, que é tão urgentemente necessária. Provavelmente, chegaram a esta conclusão por lerem demais as extensas obras de modernos comentaristas liberais.

O autor deste capítulo está convicto de que, longe de afirmar que o apóstolo, em Romanos 7, não está salientando algum ponto técnico em relação ao casamento além da sua dissolução pela morte, realmente é o contrário. Ele está afirmando, e com muita clareza, a indissolubilidade do casamento até o momento da morte. Não há outra maneira de entender as palavras: “De sorte que, vivendo o marido, será chamada adúltera se for de outro marido; mas, morto o marido, livre está da lei, e assim não será adúltera, se for de outro marido”. Se as palavras têm qualquer significado, elas significam o que dizem!

O cap. 7 tem três partes principais, e cada uma trata do salvo e do seu relacionamento com a lei de Deus. Estas são:
  • A Lei e seu poder vs. 1-6;
  • A Lei e sua santidade vs. 7-13;
  • A Lei e sua incapacidade vs. 14-25.
A primeira parte esclarece que o salvo, que anteriormente estava sujeito e preso pelo poder da lei, agora está livre, tendo morrido para a lei. A segunda parte ensina que isto não avilta, de forma alguma, a lei; a lei continua santa, justa e boa. A terceira parte do capítulo revela a incapacidade total da lei de dar vida e vitória ao salvo.

Agora examinaremos a primeira parte em mais detalhe, especialmente as referências ao matrimônio.

A afirmação

“Não sabeis vós, irmãos (pois que falo aos que sabem a lei), que a lei tem domínio sobre o homem por todo o tempo que vive?” (v. 1). O apóstolo sabe que está escrevendo aos que têm algum conhecimento da lei, sejam eles judeus ou gentios. Todos, normalmente, estão sujeitos a ela e às suas exigências. A frase “por todo tempo que vive” é fundamental no seu argumento. Assim, este versículo simplesmente diz que enquanto o homem vive ele está sujeito à lei, porque ele está sob a sua jurisdição. Normalmente, a única maneira do homem poder ficar livre do poder e da influência da lei é pela morte, quando o indivíduo sai da sua esfera de poder e autoridade. Paulo já falou isto em relação ao pecado: “Porque aquele que está morto está justificado do pecado” (6:7).

A ilustração

“Porque a mulher que está sujeita ao marido, enquanto ele viver, está-lhe ligada pela lei; mas morto o marido, está livre da lei do marido. De sorte que, vivendo o marido, será chamada adúltera se for de outro marido, mas, morto o marido, livre está da lei, e assim não será adúltera, se for de outro marido” (vs. 2-3). Nestes versículos vemos que uma mulher casada, com base na lei, está ligada indissoluvelmente ao seu marido enquanto ele vive, e que a única maneira em que esta união pode ser desfeita é pela morte. Isto é afirmado categoricamente nas palavras “mas, morto o marido, está livre da lei do marido”. A posição afirmada é enfatizada ainda mais ao dizer: “De sorte que, vivendo o marido, será chamada adúltera se for de outro marido, mas, morto o marido, livre está da lei; e assim não será adúltera, se for de outro marido”. Todos têm que admitir que estas palavras são claras, facilmente entendidas, sem ambiguidade e sem qualquer possibilidade de serem mal entendidas. Não há nenhuma base para descartar tais versículos claros na Palavra de Deus como se constituíssem alguma história obscura a ser aplicada de uma maneira vaga. À luz destes fatos, vemos aqui claramente uma afirmação doutrinária importante, sobre a indissolubilidade absoluta do matrimônio e os resultados de desfazer o laço matrimonial durante a vida. Se um novo casamento ocorrer, adultério é o resultado sério e contínuo de tal ação. Esta passagem deixa bem claro que o adultério começa quando os relacionamentos sexuais começam no segundo casamento. É igualmente claro que a morte anula o laço matrimonial, porque o outro cônjuge não vive mais na esfera onde a lei tem poder para manter aquele laço. Citamos aqui o comentário de Bruce:
O que Paulo quis dizer pode ser expressado da seguinte maneira: como a morte desfaz o vinculo entre marido e mulher, assim a morte — a morte do salvo com Cristo — desfaz o vínculo que anteriormente o ligava à lei, e agora ele está livre para entrar em união com Cristo.

A exposição doutrinaria

“Assim, meus irmãos, também vós estais mortos para a lei pelo corpo de Cristo, para que sejais de outro, daquele que ressuscitou dentre os mortos, a fim de que demos fruto para Deus. Porque, quando estávamos na carne, as paixões dos pecados, que são pela lei, operavam em nossos membros para darem fruto para a morte” (vs. 4-5). Através da obra de Cristo, o salvo agora é visto como morto para a lei. Nossa morte judicial não é apenas em relação ao pecado, mas também em relação à lei. Não estamos mais debaixo da lei, mas debaixo da graça. Esta doutrina revela a precisão da ilustração usada, e a razão por ela ter sido usada. Assim como eles tinham estado ligados intimamente à lei e suas exigências, agora estavam livres daquele relacionamento por causa de uma morte que desfez o vínculo. Paulo é consistente com aquilo que ensinou no cap. 6, onde escreveu: “Nós que estamos mortos para o pecado, como viveremos ainda nele?” Os tempos dos verbos usados naquela passagem mostram que a sua morte para o pecado já tinha acontecido. Aqui o ensino é o mesmo, e com os mesmos tempos dos verbos. Eles, e todos os salvos, não somente tinham morrido, judicialmente, para o pecado, mas também para a lei, da mesma maneira. Contudo, uma pergunta agora pode surgir: “Por que o apóstolo mudou a ordem daquela que usou na ilustração? Na ilustração, o cônjuge que ficou vivo está livre para casar de novo, mas aqui é aquele que morreu que está livre para casar de novo”. A resposta é que nem o pecado nem a lei morreram; estão muito vivos ainda. Foi o salvo que morreu para o pecado e para a lei. Mais adiante no cap. 7, o apóstolo prova, conclusivamente, que “a lei é santa, e o mandamento santo, justo e bom” (v. 12).

Qual é então é a continuação do ensino nesta passagem? É que o salvo está morto para a lei através, ou por causa, da sua ligação em, ou com, o corpo de Cristo, e assim o salvo é, pelo mesmo processo, “de outro, daquele que ressuscitou dentre os mortos”; e o grande propósito, “que demos fruto para Deus”, agora pode ser efetuado em tal vida. Godet diz o seguinte sobre esta mudança na ordem: “É a aplicação que Paulo pretende fazer da sua ilustração para a vida espiritual que dará a solução à questão. Paulo, na realidade, tinha em vista não somente a desunião da alma do salvo com a lei (o primeiro marido), mas também a sua nova união com Cristo ressuscitado (o segundo marido). Agora, nesta figura do segundo casamento, somente Cristo pode representar o marido, e, consequentemente, o salvo representa a esposa”.

A aplicação

“Mas agora temos sido libertados da lei, tendo morrido para aquilo em que estávamos retidos; para que sirvamos em novidade de espírito, e não na velhice da letra” (v. 6). A expressão “libertados da” contém uma preposição que indica a separação completa do salvo em Cristo da esfera da lei. Corresponde às palavras do capítulo anterior: “pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça” (6:14). A frase “aos que estão debaixo da lei” (3:19) se refere à nação de Israel, que aceitou um lugar debaixo da lei quando inicialmente disseram, na presença de Deus e de Moisés: “Todas as palavras, que o Senhor tem falado, faremos … e obedeceremos” (Êx 24:3, 7). Quando nosso Senhor Jesus Cristo veio ao mundo, Ele tomou Seu lugar na nação, debaixo da lei (Gl 4:4). É notável que Rm 7:4 mostra que agora estamos ligados indissoluvelmente àquele “que ressuscitou dentre os mortos”. Nosso vínculo vital e eterno agora é com um Homem que está além da esfera onde a lei opera. Esta mudança, feita pela salvação, tornou possível aos santos do NT viver uma vida frutífera. A parte final deste capítulo mostra que para Paulo este serviço frutífero não era possível debaixo da lei, nem mesmo com muito esforço, mas com o desenvolver do argumento no cap. 8, a verdadeira fonte e poder de todo este serviço é encontrado na energia e poder do Espírito Santo de Deus que habita no salvo.

A exposição do restante de Romanos 7 não foi incluída, pois não se aplica ao assunto do livro do qual este capítulo faz parte.



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