Divórcio

Prefácio


[Texto completo do livreto de mesmo nome publicado por esta editora]


Este livreto não é obra de um só escritor. Também não é, porém, uma obra anônima, escrita por alguém que não tem a coragem de assumir o que escreveu. Numa tentativa sincera de oferecer um estudo amplo sobre este assunto tão delicado e doloroso, compilamos este livreto de escritos e anotações de vários irmãos, tais como James Jardine (João Pessoa), Samuel R. Davidson (Santarém), Severo M. de Oliveira (Paranavaí) e Ronald E. Watterson (Descalvado). Os irmãos mencionados acima trabalharam em conjunto, sendo que o irmão Ronald foi o responsável pela redação final do texto.




Nosso desejo e nossa oração a Deus é que este simples livreto possa chegar em tempo nas mãos de jovens que estão contemplando o casamento, e também de casais que estão contemplando o divórcio, para que sejam orientados e ajudados por Deus, a fim de evitar as indescritíveis dores deste trágico acontecimento.

E para aqueles aos quais este livreto chegar tarde demais para evitar o divórcio, pedimos ao Deus de toda consolação que ainda possa servir de encorajamento para buscar a Deus e a Sua Palavra nesta situação tão triste.

W. J. Watterson — Editora Sã Doutrina

Introdução

O assunto deste estudo é, sem dúvida alguma, dos mais delicados. É também um dos mais dolorosos. Só Deus sabe medir a dor dos lares desfeitos pelo divórcio. Os divorciados sofrem, e sofrem muito. Em casos onde há filhos, estes sofrem mais ainda. E a dor não se limita à família imediata. Quantos parentes e amigos compartilham desta dor.

Talvez seja esta uma das razões porque o divórcio é um dos assuntos mais discutidos.

Neste estudo, porém, não queremos gerar mais polêmica, muito menos aumentar os sofrimentos emocionais daqueles que já sofreram, e ainda sofrem intensamente. Sentimo-nos impelidos a escrever devido à confusão que existe quanto a este assunto, especialmente entre o povo de Deus. Queremos analisar honestamente, sem interesses partidários ou pessoais, o que a Palavra de Deus diz a este respeito, esperando que alguns possam ser avisados em tempo para evitar tamanho sofrimento, e que aqueles que sofrem possam encontrar alguma orientação que venha amenizar a dor desta situação calamitosa.

O critério Cristão

O divórcio foi legalizado em alguns países, enquanto que em outros ainda não é permitido. Na maioria dos países que o permitem, porém, esta lei é “facultativa”, e o cristão não precisa usá-la. Este fato, porém, não constitui um problema muito grande para o cristão, pois nós estamos sujeitos a uma autoridade maior — a Palavra de Deus (At 4:19). O fato de as autoridades humanas permitirem ou não o divórcio é uma questão secundária. Queremos saber se Deus permite.

O casamento

O casamento não foi desenvolvido pela sociedade; foi instituído por Deus e, por ocasião do primeiro casamento, Ele estabeleceu certos princípios que continuam em vigor até hoje.

Quando Deus trouxe Eva a Adão, este disse: “Esta é agora osso dos meus ossos e carne da minha carne”. Em seguida, Deus disse: “Portanto, deixará o varão o seu pai e a sua mãe e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne” (Gn 2:23-24). O uso destas palavras no NT confirma que foram faladas por Deus (veja Mt 19:5).

É igualmente claro que Deus não falou estas palavras com respeito a Adão e Eva, porque Adão não teve nem pai nem mãe e, portanto, ele nunca os deixou. Deus estava estabelecendo um princípio fundamental do casamento. Ele quer que entendamos que o casamento é uma união de um homem com uma mulher de forma tão íntima que supera o relacionamento de filho e pai. O filho e o pai são dois; o homem e sua esposa passam a ser uma só carne. O filho “deixará” o seu pai e a sua mãe, mas “apegar-se-á” à sua esposa. A palavra traduzida “apegar-se-á” significa literalmente colar ou grudar, indicando uma união inseparável. O Senhor Jesus, comentando este fato, disse: “Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem” (Mt. 19:6). Deus poderia ter criado mais do que uma mulher: não foi por acaso que criou apenas um homem e uma mulher.

Baseado naquilo que temos visto até agora, parece claro que, ao instituir o casamento, Deus mostrou um modelo — uma união monogâmica e indissolúvel enquanto ambos vivem.

As anormalidades

Logo surgiram anomalias.

Bem cedo na história da nossa raça apareceu a bigamia. Lameque, a sétima geração na linhagem de Caim, tomou para si duas mulheres, Ada e Zila (Gn 4:19), e o VT mostra como isto tornou-se muito comum.

E logo piorou. Nos dias antes do dilúvio, eles tomaram para si mulheres de todas as que escolheram. O Senhor falou disto, dizendo que eles casavam e davam-se em casamento (Mt 24:38). Agora era a poligamia. Talvez o caso mais notório foi o de Salomão, que teve setecentas esposas e trezentas concubinas (I Re 11:3).

Até servos de Deus, como Davi, viviam na poligamia, mas isto não deve obscurecer o fato que Deus estabeleceu uma união monogâmica, e as modificações que apareceram através dos séculos não invalidam aquele modelo; são desvios do padrão divino: são anomalias.

Cap. 1 — O divórcio no Velho Testamento

O VT mostra ainda mais uma anomalia, ou seja, o repúdio. Esta novidade só apareceu nos dias de Moisés, e temos as leis a este respeito em Deuteronômio. Resumindo, são:

  • Dt 22:13-19. O homem casou e acusou falsamente a mulher, dizendo que não era virgem. Neste caso ele seria castigado, pagaria cem siclos de prata ao pai da moça, e ela lhe seria por mulher. Além disto, ele nunca poderia divorciá-la.

  • Dt 22:20-21. O homem casou e logo descobriu que sua esposa não era virgem. Neste caso, não haveria divórcio, pois a mulher seria apedrejada e morta.

  • Dt 22:22. Num caso de adultério não haveria divórcio, pois ambos seriam mortos.

  • Dt 22:23-27. Fornicação.
  • i) No caso duma virgem desposada. Se acontecesse na cidade, ambos seriam mortos, pois ela não gritou pedindo socorro; logo não haveria divórcio.
  • ii) Se acontecesse no campo, somente o homem seria morto, pois a moça gritou e não houve quem a socorresse.
  • iii) Dt 22:28-29. No caso duma virgem não desposada. O homem daria ao pai da moça 50 siclos de prata e ela lhe seria por mulher, e ele nunca poderia divorciá-la.
  • iv) Dt 24:1-4. Se um homem casasse com uma mulher e esta “não achar graça aos seus olhos, por nela achar coisa feia”, ele poderia dar-lhe uma carta de repúdio, e ela estaria livre para casar com outro. Se, porém, seu segundo marido falecesse ou lhe repudiasse, ela não poderia casar-se novamente com o seu primeiro marido.

Sem entrarmos em detalhes, podemos perceber um fato importante para o nosso estudo. O divórcio foi permitido na Lei de Moisés, mas não em caso de adultério. Este pecado seria punido com a morte. Algum outro motivo deveria ser a base do divórcio.

Há mais algumas referências ao divórcio no VT que não afetam este estudo, e outras que serão mencionadas mais adiante. Nesta altura, basta notar como o VT encerra este assunto: “… ninguém seja desleal para com a mulher da sua mocidade. Porque o Senhor, Deus de Israel, diz que aborrece o repúdio …” (Ml 2:15-16).

É claro que nenhuma das anomalias que temos considerado representa a vontade de Deus para a humanidade. Apesar da tolerância da bigamia, da poligamia e do divórcio, o propósito de Deus para a raça humana continua sendo uma união monogâmica que só poderá ser desfeita pela morte de um dos cônjuges.

Cap. 2 — O Comentário do Senhor Jesus

a) Mateus 5:31-32

Deixando o VT numa nota tão clara e enfática como a de Malaquias 2:16, entramos no NT e logo nas primeiras páginas encontramos novamente esta questão de divórcio. O assunto foi levantado primeiramente pelo Senhor Jesus no bem conhecido “Sermão do Monte”.

Ele estava explicando o verdadeiro significado de algumas leis do VT: “não matarás” (Mt 5:21); “não cometerás adultério” (Mt 5:17), e nos vs. 31 e 32 Ele falou sobre o divórcio. “Também foi dito: Qualquer que deixar sua mulher, dê-lhe carta de desquite. Eu, porém, vos digo que qualquer que repudiar sua mulher, a não ser por causa de prostituição, faz que ela cometa adultério; e qualquer que casar com a repudiada comete adultério”.

Em primeiro lugar, considere as palavras “Eu, porém, vos digo”; elas indicam que o Senhor está trazendo um ensino diferente sobre o divórcio. Nunca foi a vontade de Deus que um casamento terminasse com uma carta de repúdio.

Observe também que, ao falar do divórcio, o Senhor não entra na questão da legitimidade. Não diz se Deus aprova ou se não aprova. Ele mostra o que acontece quando um homem dá uma carta de divórcio à sua esposa; Ele está falando de consequências. Ele diz:

  • “qualquer que repudiar sua mulher … faz que ela comete adultério”;
  • “qualquer que casar com a repudiada comete adultério”.

Estas consequências levantam uma pergunta importante — uma pergunta cuja resposta é fundamental ao nosso estudo. Se a repudiada tem uma carta de repúdio que lhe dá o direito de casar com outro (veja as leis de Deuteronômio), como é que o divórcio faz com que ela cometa adultério? A mesma pergunta surge no final do versículo; se ela tem esta carta de repúdio, e exerce o seu direito de casar com outro, como é que este comete adultério?

Só pode haver uma resposta. Apesar de um divórcio legal, Deus ainda considera o primeiro casamento como válido; o divórcio não o desfez.

A cláusula de exceção

A cláusula de exceção (“a não ser por causa de prostituição”), no entender de muitos, modifica a situação, dando legitimidade ao divórcio. Mas veja bem que nesta passagem o Senhor Jesus não estava falando da legitimidade, e sim das consequências do divórcio. Veremos isto outra vez, com ainda mais clareza, quando considerarmos Mateus cap. 19.

Vejam as consequências que o Senhor mencionou, levando em conta agora a cláusula de exceção. Se o divórcio foi concedido por qualquer outro motivo que não seja a prostituição, isto faz com que a repudiada cometa adultério quando casar com outro. A culpa é daquele que a repudiou, a não ser em caso de prostituição. Se o divórcio aconteceu por infidelidade sexual, ela já é adúltera; não será o repúdio que a faz adúltera; o primeiro marido não é culpado disto.

b) Mateus 19:3-12

As perguntas dos fariseus

Os fariseus também interrogaram o Senhor sobre o divórcio, mas não com qualquer desejo de aprender; perguntaram, tentando-O.

Para simplificar o estudo desta passagem devemos notar que tudo gira em torno de duas perguntas. Os fariseus perguntaram: “É lícito ao homem repudiar sua mulher por qualquer motivo?” Esta pergunta é sobre a legitimidade do divórcio. E a resposta do Senhor foi clara e terminante. Ele baseou-se no propósito original de Deus, e citou as palavras que Deus falou naquela ocasião, e terminou exortando a todos; “o que Deus ajuntou, não o separe o homem” (Mt 19:6).

Esta resposta deixou claro que o divórcio não é lícito aos olhos de Deus, e ninguém deve separar o que Deus ajuntou.

Isto deveria ter encerrado o assunto, mas os fariseus ainda fizeram mais uma pergunta: “Então por que mandou Moisés dar-lhe carta de divórcio e repudiá-la?”

A razão desta permissão (note a mudança de palavra — eles disseram que Moisés mandou; o Senhor disse que Moisés permitiu) foi a dureza dos seus corações. Não foi o propósito de Deus, e consequentemente o Senhor lhes fala novamente do propósito de Deus: “Ao princípio não foi assim” (Mt 19:8).

Tendo dito, em resposta à primeira pergunta, que não é lícito ao homem repudiar a sua mulher, e tendo mostrado em resposta à segunda pergunta, que a concessão mencionada por Moisés não representava uma mudança nos propósitos de Deus, Ele prossegue, mostrando as consequências nefastas de tal ato.

É aqui que aparece outra vez a “cláusula de exceção”. Como aconteceu no cap. 5, acontece aqui também. Esta cláusula faz parte daquilo que o Senhor falou sobre as consequências do divórcio, e não aparece quando Ele fala da sua legitimidade. Há, porém, uma diferença aqui. Em Mateus cap. 5 o Senhor falou da repudiada cometendo adultério depois de divorciada, mas aqui é aquele que repudia que comete adultério ao contrair segundas núpcias.

Isto parece claro.

Já temos visto no cap. 5 que a repudiada comete adultério se casar com outro, e qualquer que casar com ela também comete adultério, porque o divórcio não desfaz o primeiro casamento. Aqui, no cap. 19, é a “parte inocente” que está em vista, pois “qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de prostituição, e casar com outra, comete adultério”. Com a cláusula de exceção, este texto está dizendo que a “parte inocente” comete adultério se casar com outra, tendo repudiado a sua esposa por qualquer motivo que não seja a prostituição. Se o repúdio foi por causa da prostituição, é subentendido que ele está livre para casar-se com outra.

Isto parece estranho.

Pode a cláusula de exceção deixar livre o cônjuge “inocente” para casar-se com outra? Se ele pode repudiar a sua mulher e ainda estar livre perante Deus para casar-se com outra, é porque o divórcio desfez o primeiro casamento. Mas já temos visto no cap. 5 que a repudiada comete adultério se casar com outro, e qualquer que casar com ela adultera, portanto o primeiro casamento não é desfeito pelo divórcio. Precisamos examinar a cláusula de exceção para descobrir a solução desta aparente contradição.

Pornéia e Moichéia

Vamos começar examinando as palavras traduzidas “prostituição” e “adultério” no v. 9. A palavra traduzida “prostituição” (porneia), e o verbo cognato, ocorrem 34 vezes no NT. A palavra traduzida “adultério” (moicheia) e suas cognatas ocorrem 24 vezes. Quando porneia aparece sem qualquer menção de moicheia, ela parece ter um significado bem abrangente, referindo-se a qualquer ato sexual ilícito (veja I Co 5:1; Ef 5:3; I Ts 4:3; etc.), mas quando encontramos as duas palavras juntas no mesmo versículo ou contexto, então é lógico que tem que haver uma distinção.

Considere, por exemplo: “do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios (moicheia), prostituição (porneia) …” (Mt 15:19). Não seria correto traduzir isto como: “do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, adultérios …”. É claro que a palavra porneia aqui tem que ter o seu significado primário, ou seja, fornicação. Este é o caso na cláusula de exceção. Devemos ler: “Qualquer que repudiar sua mulher, a não ser por causa de fornicação, faz que ela cometa adultério”.

Ou seja, a exceção mencionada pelo Senhor é infidelidade sexual duma virgem desposada, mas ainda não casada. Portanto, este versículo não apresenta uma contradição. A cláusula de exceção não se refere ao adultério, mas sim à fornicação. O adultério, portanto, não desfaz o casamento e não deixa “a parte inocente” livre para casar-se com outra. Esta cláusula refere se à infidelidade sexual duma virgem desposada. Esta fornicação desfaz o compromisso do desposado, deixando-o livre para casar com outra. Para remover a dificuldade que surge na mente de alguns, precisamos ver o que significava ser desposada naqueles dias, em Israel.

Muitos dizem que estar desposada em Israel nos dias quando o Senhor Jesus esteve aqui era semelhante ao noivado que nós conhecemos. Isto é apenas uma meia-verdade. Alfred Edersheim, um reconhecido erudito em assuntos judaicos, escreveu:
Desde o momento em que foi desposada, uma mulher foi tratada como se estivesse, de fato, casada. A união não poderia ser desfeita, senão por meio dum divórcio normal; infidelidade era considerado adultério; as propriedades da mulher passavam a pertencer ao seu desposado …” (Sketches of Jewish Social Life in the Days of Christ).
Confirmando esta interpretação, notamos:

  • a cláusula de exceção aparece somente no Evangelho segundo Mateus, escrito especialmente para os judeus;
  • a cláusula de exceção faz parte da resposta que o Senhor Jesus deu aos fariseus, conservadores das tradições judaicas;
  • a experiência de José e Maria ilustra esta situação, e este relato aparece somente em Mateus, o mesmo Evangelho que traz a cláusula de exceção.

Portanto, concluímos que o ensino do Senhor Jesus não admite o divórcio e segundo casamento.

c) Marcos 10:11-12

Reforçando isto, veja como, após a resposta dada aos fariseus, que já examinamos, os discípulos O interrogaram em casa sobre esta questão. Para os discípulos Ele disse: “Qualquer que deixar a sua mulher e casar com outra, adultera contra ela. E, se a mulher deixar a seu marido e casar com outra, adultera”. Tanto o homem como a mulher que deixar seu cônjuge e casar outra vez, adultera. Ambos mencionados aqui seriam chamados de “a parte inocente”, mas casando com outro enquanto o primeiro cônjuge vive, cometem adultério. É óbvio que, apesar de legalmente divorciados perante os homens, o primeiro casamento ainda existe aos olhos de Deus.

d) Lucas 16:18

Se Marcos apresenta somente a posição da “parte inocente”, Lucas apresenta a posição dos dois. “Qualquer que deixa sua mulher, e casa com outra, adultera; e aquele que casa com a repudiada pelo marido, adultera também.” Ambos, aquele que repudiou e aquela que foi repudiada, estão em adultério se casarem com outro.

Cap. 3 — O Ensino Apostólico

a) Romanos 7:1-3

Nas cartas do NT encontramos a doutrina dos apóstolos quanto ao casamento e divórcio. Paulo disse aos Romanos: “a mulher que está sujeita ao marido, enquanto ele viver, está-lhe ligada pela lei; mas, morto o marido, está livre da lei do marido. De sorte que, vivendo o marido, será chamada adúltera se for de outro marido; mas, morto o marido, livre está da lei, e assim não será adúltera se for de outro marido”. Este ensino é tão claro que dispensa comentários. Expressa de forma enfática, e sem qualquer cláusula de exceção, que nada pode desfazer o jugo matrimonial a não ser a morte de um dos cônjuges. Enquanto ambos vivem, a união é indissolúvel.

b) I Coríntios 7:10-17

Este capítulo traz ensinos importantes quanto ao casamento, mas a parte que nos interessa para este estudo se encontra entre os vs. 10 e 17. Aqui encontramos instruções dadas aos casados. Nos vs. 10 e 11, tanto marido como esposa são cristãos, e nos vs. 12 em diante veremos o caso de casamentos mistos. Isto é, o caso de casais que ouviram o Evangelho depois de casados, e um cônjuge creu e foi salvo, ao passo que o outro continuou na sua incredulidade.

No primeiro caso, ou seja, quando ambos são salvos, as instruções são claras:

  • “Que a mulher não se aparte do marido” — v. 10;
  • “Que o marido não deixe a mulher” — v. 11.

Se, porém, estas instruções forem desobedecidas, e o casal se separar, há duas opções:

  • “fique sem casar” — v. 11;
  • “se reconcilie com o marido” — v. 11.

Não há lugar para um divórcio e casamento com outro. Tal ação fecharia a porta para sempre quanto à possibilidade duma reconciliação, como mencionada no v. 11.

No caso daqueles cujo cônjuge não é salvo, temos instruções semelhantes. Ao irmão, cuja esposa não é salva, o Espírito diz: “não a deixe” (v. 12), e à irmã cujo marido não é salvo, Ele diz: “não o deixe” (v. 13). Veja o conselho repetido: “não a deixe”, “não o deixe”.

No v. 15 há ainda outra situação que poderá surgir. É o caso triste duma separação. O cônjuge cristão, obedecendo o ensino já dado nos versículos anteriores, não vai apartar-se, mas se o descrente se apartar, neste caso o irmão ou irmã não está sujeito à servidão. Esta expressão simplesmente quer dizer que o cônjuge cristão não tem a obrigação de manter, a qualquer custo, um relacionamento que seu cônjuge abandonou. Pode haver uma separação, mas o cônjuge cristão vai ficar sem casar, mantendo a porta aberta para uma possível reconciliação futura, talvez com a salvação do outro.

Resumindo tudo isto, vemos que Deus não quer que haja separação entre marido e esposa, mas reconhece que em alguns casos isto pode acontecer. Se tal infelicidade vier a acontecer, não há permissão para casar com outro, mas somente a difícil condição de ficar sem casar, na esperança duma reconciliação. Nunca poderá haver um segundo casamento enquanto o primeiro cônjuge viver. “A mulher casada está ligada pela lei todo o tempo que o seu marido vive; mas, se falecer seu marido, fica livre para casar com quem quiser, contanto que seja no Senhor” (I Co 7:39).

c) Efésios 5:22-33

Nesta passagem, que mostra os deveres da esposa e do marido, devemos observar duas coisas relevantes ao nosso estudo.

Uma só carne

A união de marido e esposa no casamento é tão real e profunda que Deus diz a respeito: “serão dois numa carne” (v. 31). Estas palavras são citadas de Gn 2:24. O Senhor Jesus também as citou em Mt 19:5.

Não devemos pensar que isto descreve uma união meramente física e carnal; é muito mais do que isto. São duas pessoas — são uma só carne. Isto é um mistério além da compreensão do intelecto humano. A união carnal entre um homem e uma meretriz faz que os dois sejam um só corpo (I Co 6:16a), mas já vimos em Gênesis 2:24 que o casamento de um homem com uma mulher faz dos dois uma só carne. As palavras de Gênesis 2:24 são citadas em I Coríntios 6:16 para mostrar que uma unidade nova é formada, mas observe bem a diferença. No primeiro caso, forma-se um só corpo, mas no segundo, forma-se uma só carne. A diferença é muito grande. Pode acontecer a separação entre os membros dum corpo, mas “uma só carne” sugere uma união indissolúvel. Com toda a reverência digo que a união entre esposo e esposa reflete algo da união das três Pessoas divinas.

Cristo e a Igreja

Concluindo este trecho tão importante, Paulo diz: “Grande é este mistério: digo-o, porém, a respeito de Cristo e da Igreja” (Ef 5:32).

Isto reforça o que escrevemos no parágrafo anterior, e mostra que a união entre esposo e esposa é uma figura da união entre Cristo e a Sua Igreja. Nunca se pode cogitar da possibilidade duma separação entre Cristo e a Sua igreja, apesar da infidelidade desta. Se houver possibilidade dum rompimento do casamento e um posterior casamento com outro, estando o primeiro cônjuge ainda vivo, a figura que o Espírito Santo escolheu é destruída.

Cap. 4 — Notas adicionais


  • Um cristão não pode levar outro cristão “a juízo perante os injustos” (I Co 6:1-6). Para conseguir um divórcio, portanto, o cristão teria de desobedecer esta passagem das Escrituras.
  • O Senhor Jesus disse: “O Meu mandamento é este: que vos ameis uns aos outros, assim como Eu vos amei” (Jo 14:12). O Espírito Santo manda: “sede uns para com os outros benignos, misericordiosos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus vos perdoou em Cristo” (Ef 4:32). O cristão teria de desobedecer estas, e muitas outras passagens semelhantes, para obter um divórcio.
  • Deus aconselha: “alegra-te com a mulher [singular] da tua mocidade … pelo seu amor sê atraído perpetuamente. E por que, filho meu, andarias atraído pela estranha …” (Pv 5:18-20). “Ninguém seja desleal para com a mulher [singular] da sua mocidade. Porque o Senhor, Deus de Israel, diz que aborrece o repúdio” (Ml 2:15-16).
  • O primeiro casamento foi constituído quando Deus apresentou Eva a Adão e este disse: “Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne”. Aceitando Eva como sua, nesta cerimônia formal, Adão e Eva se tornaram esposo e esposa — uma só carne. Isto está implícito na seguinte citação: “E conheceu Adão a Eva, sua mulher, e ela concebeu …” (Gn. 4:1). Não diz: “Adão conheceu Eva, assim fazendo-a sua mulher”. Eva não passou a ser a esposa de Adão através dum ato físico, mas Adão a conheceu porque ela já era a sua esposa. Muitos outros casos nas Escrituras confirmam isto, mas citaremos apenas o caso de José e Maria. “José … fez como o anjo do Senhor lhe ordenara, e recebeu a sua mulher; e não a conheceu até que deu à luz seu filho, o primogênito” (Mt 1:24-25). José recebeu a sua mulher, não como desposada, mas como esposa, mas a primeira relação física aconteceu várias meses depois.
  • Alguns, que percebem que o divórcio não é permitido entre cristãos, acreditam que o caso de pessoas que se divorciaram antes de serem salvas é diferente. Dizem que até assassinos, viciados, adúlteros e todo o tipo de pecador recebe um pleno perdão quando, arrependido, crê no Senhor Jesus. Argumentam ainda que se o Senhor recebeu estes, sabendo que eram divorciados, por que razão a igreja não poderia recebê-las? Esta colocação, a primeira vista, parece correta. Pessoas divorciadas podem ser salvas, e devemos pregar o Evangelho a elas como a qualquer outra pessoa; não há diferença. E damos graças a Deus pelo fato de Ele ter salvado muitos divorciados que vivem com outro cônjuge. Quando o pecador é salvo, o seu pecado é perdoado, e Deus jamais se lembrará dele. Mas o problema que impede a recepção daquele que é divorciado e novamente casado não está no passado, e sim, no presente. O problema é que ele está vivendo com quem não é a sua esposa ou esposo. E isto é pecado. Confirmando isto, veja Marcos 6:17-18. “Herodes mandara prender a João e encerrá-lo, maniatado no cárcere, por causa de Herodias, mulher de Filipe, seu irmão, porquanto tinha casado com ela”. Alguns argumentam que João não estava condenando o divórcio e segundo casamento de Herodias e sim, o pecado de Herodes conforme Levítico 18:16. Mas observe bem: Herodes tinha casado com ela, mas ainda ela é chamada “a mulher de Filipe”. Isto sugere que o pecado que João condenou não foi principalmente a violação da lei de Levítico 18:16, mas o fato que ele possuiu a “mulher de Filipe”. Aos olhos de Deus, ela ainda era a “mulher de Filipe”, e não de Herodes.


  • É importante notar que nenhum apóstolo citou a chamada cláusula de exceção. Ela não faz parte da doutrina dos apóstolos. É importante lembrar que o casamento foi instituído na Criação, e portanto é aplicável a toda a humanidade, quer cristãos quer não. Não é uma ordenança cristã como batismo ou a ceia do Senhor.


Os irmãos e irmãs casados devem lembrar-se das exortações dadas às esposas e aos esposos em Efésios 5:22-33, e praticá-las para que seu casamento tenha a estabilidade e felicidade que Deus deseja que tenha. Observando estas admoestações eles terão a verdadeira paz num ambiente de amor, espiritualidade e confiança mútua.

Os jovens que ainda são solteiros devem ser orientados sobre o perigo do jugo desigual para que busquem a orientação do Senhor na escolha do seu marido ou esposa, sabendo que o casamento é indissolúvel enquanto ambos os cônjuges vivem.

Cap. 5 — Observações finais

Como cristãos individualmente, ou como igreja coletivamente, devemos condoer-nos daqueles que sofrem as consequências dum divórcio. Devemos saber chorar com os que choram.

Antes de tudo devemos lembrar que a sua maior necessidade é espiritual. Se são pessoas descrentes, devemos esforçar-nos em levar-lhes o Evangelho para que sejam salvas. Se são salvos, há um problema difícil e delicado, pois se são casados em segundas núpcias, e o primeiro cônjuge ainda vive, estão vivendo em pecado, e não podem fazer parte da comunhão da igreja local enquanto este problema não for solucionado. Este problema tem que ser enfrentado com muita compreensão e compaixão, mas os padrões da Palavra de Deus não podem ser mudados.

Em alguns casos há uma solução. O casal pode separar-se. O marido, porém, teria de sensibilizar-se das necessidades materiais da esposa. Se houver filhos, a situação torna-se mais delicada ainda, e nenhuma solução será fácil. Em qualquer caso, devemos tratá-los como irmãos amados, procurando ajudá-los tanto espiritualmente como de qualquer outra forma possível.

Prevenir é melhor do que remediar

Que Deus nos dê corações sábios para entendermos a Sua Palavra, e também corações compassivos, cheios do terno amor do nosso amado Salvador, que embora fisicamente cansado, levou a água da vida, a salvação, a uma mulher a quem teve de dizer: “o (marido) que agora tens não é teu marido” (Jo 4:18).

4 comentários:

  1. Em tempos de ventania de dissolução, foi muito bom confirmar as estacas da verdade, relendo este artigo.

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  2. Maravilhosos os artigos, comprei o livro e tenho sido bastante edificado com preciosíssimos ensinamentos! Obrigado por compartilharem!

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