Dons espirituais

Cap. 1 — Introdução


Os dons espirituais são importantíssimos. Nenhum cristão pode cumprir o propósito de Deus quanto à sua vida sem dons espirituais. Nenhuma igreja local pode funcionar como Deus quer, sem estes dons. São indispensáveis, tanto na vida particular do cristão quanto no testemunho coletivo da igreja, pois o trabalho do Senhor é um trabalho espiritual que só pode ser feito por meios espirituais.



As palavras do Senhor Jesus aos discípulos confirmam isto. Ele lhes disse: "Sem Mim, nada podeis fazer" (Jo 15:5). O apóstolo Paulo afirmou que "os que estão na carne não podem agradar a Deus" (Rm 8:8). Portanto, é impossível fazer a vontade do Senhor na força e na sabedoria da carne.

Vemos este fato ilustrado no trabalho de Paulo em Corinto. Ele nos diz que foi àquela cidade "em fraqueza, e em temor, e em grande tremor" (I Co 2:3). A sua pregação não consistiu em palavras persuasivas de sabedoria humana, pois reconheceu que a sua própria capacidade e o seu esforço não seriam suficientes para realizar o trabalho do Senhor. Seria necessária a demonstração do Espírito e de poder (I Co 2:4). A obra do Senhor não pode ser feita com capacidade carnal, nem tão pouco poderá ser feita por meios mundanos.

Os pensamentos do homem natural são diretamente opostos aos de Deus (veja Is 55:8). O NT também destaca esta mesma divergência de pensamentos, mostrando que aquilo que os homens consideram loucura é a própria sabedoria de Deus. Em consequência disto, o mundo, pela sua sabedoria, não conheceu a Deus (veja I Co 1:18-31). O Senhor Jesus disse: "… o que entre os homens é elevado, perante Deus é abominação" (Lc 16:15). Portanto, os métodos que o mundo usa nos seus projetos não servem no trabalho do Senhor.

Quantas vezes erramos neste ponto! Quantas vezes cristãos, bem intencionados, tentam fazer a obra do Senhor fiados na sua própria capacidade e conhecimento. Logo que sentem que os resultados desejados não estão aparecendo, passam a culpar os métodos "antiquados" que estavam usando. Começam, então, a buscar meios mais "eficientes" e adotam os mesmos métodos que dão resultados nos projetos dos incrédulos. Ignoram que na obra do Senhor, estes métodos são desastrosos. A obra do Senhor não depende de melhores métodos, e sim de mais dependência no Espírito, que operará através dos dons que concedeu aos salvos.

A confusão


Há muita confusão quanto à natureza dos dons. Alguns cristãos os ignoram quase que por completo. Acomodam-se, desfrutando dos dons dos outros, sem se preocuparem em descobrir e usar aquele dom que o Senhor lhes concedeu. Às vezes até chegam a dizer: "Eu não tenho dom". Por outro lado muitos, talvez reagindo contra esta indiferença, dizem ser possuidores de dons e têm caído em exageros e erros que têm levado alguns outros a rejeitar estes dons, completamente.

Isso porém, não nos deve surpreender. Os dons são tão importantes à igreja que seria surpreendente se o inimigo não os atacasse. Mesmo se muitos cristãos não conhecem a importância dos dons, Satanás sabe quão importante eles são. Ele sabe perfeitamente bem que não conseguiremos absolutamente nada sem usar estes dons e, consequentemente, ele cria uma confusão em torno deles, procurando levar-nos a menosprezá-los.

Vamos então à Bíblia, para descobrir o que são dons espirituais.

O que são os dons espirituais?


Antes de definir "dom espiritual", devemos observar que o NT fala de dons em dois sentidos distintos. No plano individual, lemos de dons dados aos cristãos, e no plano coletivo, lemos de dons dados à igreja.

Encontramos exemplos do primeiro usa da palavra dom — isto é, na esfera individual — em I Coríntios, onde lemos: "… a um pelo Espírito é dada a palavra da sabedoria; e a outro, pelo mesmo Espírito, a palavra da ciência …" (I Co 12:8).

No mesmo capítulo encontramos exemplos do segundo uso da palavra dom — isto é, na esfera coletiva. Lemos que "a uns pôs Deus na igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro doutores …" (I Co 12:28-30). Veja também Ef 4:8-11.

Quando a Bíblia fala de dons dados aos cristãos, fala daquela capacidade espiritual que Deus lhes concedeu para fazer o Seu trabalho; quando fala de dons dados à igreja, fala daquelas pessoas capacitadas pelo Espírito para fazer este trabalho.

Portanto, definimos um dom como:
  • A capacidade espiritual que Deus dá a cada um que é salvo, habilitando-o a fazer a vontade do Senhor.
  • A pessoa capacitada, dada pelo Senhor à igreja, para que ela possa realizar o propósito de Deus.

Devemos notar, porém, que o NT usa várias palavras, no seu texto original, quando fala dos dons. Isto não aparece na versão portuguesa, pois estas palavras são sempre traduzidas para o nosso idioma pela palavra "dom". Vamos considerar apenas algumas delas.

Charisma


Este vocábulo é usado 17 vezes no NT, 5 das quais em I Coríntios cap. 12. Significa um dom de graça. Isto é, charisma dá ênfase ao caráter gratuito do dom. Não é um prêmio; não é algo que recebemos porque merecemos; é um dom da graça de Deus.

Pense bem neste fato. Sendo que o dom é charisma, ele não é merecido. Um dom espiritual não é um prêmio reservado para aqueles que o buscam com mais fervor e firmeza. Não é uma honra conferida àquele que merece, por ser ele mais espiritual. Estes dons são imerecidos, distribuídos pelo Espírito Santo, conforme a graça (favor imerecido) de Deus.

Doma


Esta palavra não é tão frequente; é usada somente 4 vezes no NT. Foi usada pelo Espírito Santo para dizer aos efésios que Cristo, subiu "ao alto, levou cativo o cativeiro, e deu dons (doma) aos homens" (Ef 4:8). Não é sinônimo de charisma. Doma dá ênfase ao caráter sólido e real do dom dado. Diz que os dons são reais. Não são coisas imaginárias ou simuladas. Realmente existem e são autênticos.

Dorea


Esta palavra destaca o fato que os dons são dádivas: são dados gratuitamente. No NT sempre se refere a um dom espiritual ou sobrenatural. Veja Jo 4:10. Ef 3:7 etc. É encontrada em Ef 4:7 na expressão: "… segundo a medida do dom de Cristo". É de graça; não nos custa nada. A diferença entre esta palavra e charisma parece ser que charisma, além de indicar que o dom é de graça, ainda enfatiza que é imerecido.

Merismos


Merismos indica uma distribuição, e é usada na expressão "… dons do Espírito Santo, distribuídos por Sua vontade" (Hb 2:4). Sugere aquilo que veremos com mais clareza depois — isto é, que todos os salvos tem, pelo menos, um dom.

Estas palavras nos dizem muito a respeito dos dons, mas para compreendermos a sua natureza precisamos considerar ainda outra palavra que o Espírito usou para descrevê-los. Refiro-me à palavra "espiritual".

Espiritual


Escrevendo aos coríntios, Paulo disse: "Acerca dos espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes" (I Co 12:1). A palavra "dons" não está no texto original; foi acrescentada pelos tradutores para completar o sentido, e creio que todos concordarão que o contexto deixa bem claro que as coisas espirituais neste versículo são, de fato, os dons.

A palavra "espiritual" é usada 15 vezes na primeira carta aos Coríntios. É uma palavra chave, não só para entendermos a mensagem da carta, como também para entendermos a natureza dos dons. Veja alguns exemplos do seu uso em I Coríntios.
  • Lemos do homem espiritual em contraste com o homem natural (2:14-15).
  • Lemos de cristãos espirituais em contraste com cristãos carnais (3:1).
  • Lemos de coisas espirituais em contraste com coisas carnais (9:11).
  • Lemos do corpo espiritual em contraste com o corpo natural (15:44).

Isto mostra que "espiritual" é antônimo de "natural" e "carnal". Quando Deus usa esta palavra para descrever os dons (I Co 12:1), Ele está dizendo que estes dons não são naturais, nem carnais; são espirituais.

Os dons não são naturais


Ao nascer, nós recebemos muitos dons do nosso Criador bondoso. A própria vida, bem como a inteligência, a voz, a visão e outras coisas semelhantes são dons de Deus, dados gratuitamente às Suas criaturas. Deus tem sido muito generoso na distribuição destes dons, mas não são dons espirituais — são naturais.

Quando, porém, um pecador nasce de novo, este torna-se filho de Deus e recebe dons espirituais. Estes não são naturais, pois o homem natural não os possui. Ninguém os recebeu quando nasceu segundo a carne. Ninguém os herdou de seus pais.

Sendo que Deus distingue entre o que é espiritual e o que é natural, precisamos fazer a mesma distinção. Caso contrário, havemos de cair em confusão. Os talentos naturais que temos não são dons espirituais.

Os dons não são carnais


Além dos dons naturais que recebemos quando nascemos, podemos adquirir mais conhecimento e mais capacidade através de estudo e esforço próprio. Da mesma forma que aprendemos a ler e escrever, podemos aprender a discursar e ensinar. O que aprendemos pelo nosso estudo ou esforço, porém, não é o que a Bíblia chama de "dom". São talentos adquiridos, ganhos através de um esforço; os dons são charisma, isto é, da graça de Deus.

Conclusão


Diante destes fatos, não podemos ficar indiferentes. O trabalho de Deus é um trabalho espiritual, que só pode ser feito por meios espirituais. Se você quer ser útil a Deus, encontre a resposta a essas três perguntas:
  • O que é um dom espiritual?
  • Qual é o dom que Deus me concedeu quando Ele me salvou?
  • Como devo usar este dom?

Temos notado o que é um dom espiritual; portanto, temos a resposta à primeira pergunta. Nunca devemos tentar fazer a obra do Senhor por meios meramente naturais ou carnais. Os talentos naturais que Deus nos deu, bem como aquela habilidade que temos adquirido pelo nosso próprio esforço podem, e devem, ser usados no serviço do Senhor mas, em si, não são suficientes. O essencial é ter dons espirituais.

É necessário, então, que você descubra qual o dom, ou quais os dons, que o Senhor lhe concedeu. Se você realmente deseja fazer a vontade do Senhor, e não a sua própria, ore sinceramente pedindo que Deus lhe mostre qual o dom que você possui, e Ele logo mostrará. Oportunidades para servir se apresentarão, e você sentirá a crescente convicção de que Deus está, de fato, levando você a fazer tal serviço.

Porém, não podemos confiar em sentimentos. O coração é enganoso, mais do que todas as coisas (Jr 17:9), e pode facilmente nos enganar. Por esta razão, é importante levar em consideração a opinião de irmãos experientes e espirituais. Se você é o único que pensa que possui determinado dom, pode ter certeza que não o possui.

Uma vez que você descobre o dom que tem, não o negligencie. O dom foi dado para ser usado, e um dia, Deus lhe pedirá contas.

Falaremos mais a respeito disso, depois de examinarmos os dons mais detalhadamente.

Cap. 2 — A distribuição dos dons


Já mencionamos que os dons espirituais são dados àqueles que são salvos. Indicamos também que foram recebidos no mesmo instante em que recebemos a vida eterna. Talentos naturais foram dados no início da vida natural; os dons espirituais são dados no início da vida espiritual. Veremos algumas provas disto à medida que avançamos neste estudo.

Precisamos ressaltar que dons são dados a todos os que crêem!

Como é comum ouvir cristãos dizerem: "Eu gostaria de fazer algo para o Senhor, mas não tenho dom." Talvez o irmão que fala assim esteja pensando no dom de ensinar ou de pregar, e talvez tenha razão em dizer que não possui tal dom, mas está redondamente enganado em pensar que não possui dom algum. A Bíblia deixa bem claro que todos os verdadeiros cristãos tem algum dom espiritual. Cada cristão, além dos talentos naturais que herdou dos seus pais e das habilidades adquiridas pelo seu esforço e estudo, tem algo que nenhum incrédulo possui: ele tem pelo menos um dom espiritual.

No NT, encontramos três listas de dons (e mais algumas referências em outras partes). Em ordem cronológica são:
  • I Coríntios 12:8 a 10 e 28;
  • Romanos 12:6-8;
  • Efésios 4:11.

Estas três passagens, no seu contexto, nos revelam duas coisas importantes:

Quem dá os dons


A primeira coisa importante que vemos nestas passagens é que os dons são dados pelo Espírito Santo. "Ora, há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo". "Mas a manifestação do Espírito é dada a cada um, para o que for útil". "Mas um só e o mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer" (I Co 12:4, 7 e 11). Nesta primeira lista, portanto, aprendemos que o Doador dos dons é o Espírito Santo.

Quando lemos a lista de Romanos cap. 12, porém, descobrimos que os dons foram dados por Deus: "… conforme a medida da fé que Deus repartiu a cada um" (Rm 12:3).

Em Efésios cap. 4 vemos que o doador é o Senhor Jesus Cristo. "Mas a graça foi dada a cada um de nós segundo a medida do dom de Cristo" (Ef 4:7). "Por isso diz: Subindo ao alto, levou cativo o cativeiro, e deu dons aos homens. … E Ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores" (Ef 4:8 e 11).

Constatamos, portanto, que as três Pessoas divinas — o Espírito Santo, o Pai e o Senhor Jesus Cristo — se empenham em dar dons ao Seu povo. Este interesse da Trindade em distribuir dons nos mostra a sua grande importância.

A segunda coisa importante que vemos aqui é:

Quem recebe os dons


Todas as passagens acima citadas destacam o fato que cada membro do corpo de Cristo recebeu algum dom. A frase "a cada um" aparece no contexto imediato de cada lista. Em I Coríntios 12, já citamos os vs. 7 e 11, onde lemos que a manifestação do Espírito é dada a cada um, e ainda outra vez, que o mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um. Mais adiante, no mesmo capítulo, lemos que Deus colocou os membros no corpo, cada um deles como quis (I Co 12:18).

Em Romanos cap. 12, lemos que Deus repartiu a cada um (veja v. 3).

Em Efésios, lemos que a graça foi dada a cada um (veja Ef 4:7). Ainda no mesmo capítulo, falando do uso dos dons, Paulo diz que a igreja desenvolve segundo a justa operação de cada parte (veja Ef 4:16).

Deus repetiu tantas vezes, e de tantas formas, o fato de ter dado dons a cada um, que ninguém pode pensar que não possui dom. No Corpo de Cristo, a Igreja, não há nenhum membro sem função, e se ele tem uma função para cumprir ele tem o dom para realizar esta obra.

Quando Deus salva um pecador, Ele lhe dá riquezas incalculáveis. No momento em que recebemos a salvação a maioria, senão todos, não pensa nas demais bênçãos concedidas; mais tarde, descobrimos que naquela mesma hora recebemos o Espírito Santo (Jo 7:39 e Ef 1:13) para nos guiar e fortalecer na nossa jornada aqui. Recebemos também uma herança nos céus (I Pe 1:4). Além de tudo isto, recebemos dons espirituais, capacitando-nos a servir a Deus aqui neste mundo.

Receber dons de Deus é uma grande honra. Não merecemos nada dEle. Mas esta honra traz consigo uma responsabilidade proporcional. O dever é tão grande quanto a honra. Tornaremos a falar sobre nossa responsabilidade num capítulo posterior — por ora, basta dizer que não há ninguém supérfluo no corpo de Cristo. Todos os membros, até os que "parecem ser os mais fracos, são necessários" (I Co 12:22).

O corpo


Em todas as três listas mencionadas, a mesma figura é usada para ilustrar o ensino a respeito dos dons; a figura é o corpo.

Em I Coríntios cap. 12 o apóstolo usa esta figura para nos ensinar como cada membro é necessário. Nos vs. 15 e 16 ele apresenta uma conversa hipotética entre vários membros do corpo: "Se o pé disser: Porque não sou mão, não sou do corpo; não será por isso do corpo? E se a orelha disser: Porque não sou olho não sou do corpo; não será por isso do corpo?"

O pé e a orelha, neste suposto diálogo, representam aqueles irmãos ou irmãs que pensam não ter utilidade no corpo. Vêem outros membros com dons que parecem ser grandes e importantes, e sentem-se tão pequenos e inúteis, e portanto não fazem nada. "Eu não sei pregar", dizem eles, "portanto, não posso fazer nada; não sou ninguém"! Na melhor das hipóteses é um caso de humildade excessiva.

No v. 21, Paulo apresenta outro diálogo hipotético entre membros do corpo. "E o olho não pode dizer à mão: Não tenho necessidade de ti; nem ainda a cabeça aos pés: Não tenho necessidade de vós."

Este caso mostra a atitude oposta àquela que vimos na primeira conversa. Aqui não é problema de humildade exagerada, nem de preguiça, nem de senso de inferioridade. É o contrário. O olho e a cabeça, aqui, representam aquele irmão disposto e animado que pensa que sabe fazer tudo e está disposto a fazer tudo sozinho. Se ele não o diz em palavras, pelo menos a sua atitude diz aos demais: "Não tenho necessidade de vós." E este irmão está tão errado quanto aquele primeiro que pensou que não podia fazer nada. Todos podem fazer alguma coisa, e ninguém pode fazer tudo. Cada um tem uma função. Não há membro supérfluo no corpo de Cristo. Cada membro, irmão ou irmã, é necessário.

Portanto, o irmão ou a irmã que pensa não ter utilidade, precisa lembrar-se que a igreja realmente precisa dele. Se ele ficar inativo irá prejudicar o corpo todo.

Por outro lado, o irmão que pensa que sabe e pode fazer tudo, precisa lembrar que os demais também são necessários à igreja; ele não pode fazer tudo sozinho. A igreja precisa da participação de todos. Não é simplesmente uma questão de deixar os outros fazer alguma coisa, mas que a participação de todos é essencial.

Como são distribuídos os dons


Não recebemos, necessariamente, os dons que desejamos. Os dons são distribuídos pelo Espírito Santo, conforme a Sua soberana vontade. "Mas um só e o mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer" (I Co 12:11). Ainda no mesmo capítulo, lemos que Deus colocou os membros no corpo, cada um deles como quis (veja I Co 12:18). Falando dos dons, Paulo diz que Deus pôs uns na igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas, etc. (veja I Co 12:28).

Só Deus sabe, realmente, o que é melhor para a Sua igreja. Só Ele sabe de todas as necessidades da Sua igreja. Portanto, só Ele pode ter competência para distribuir os dons ao Seu povo. Na Sua onisciência e sabedoria, Deus dá dons a cada pessoa que crê no Senhor Jesus Cristo, levando em consideração as condições locais na esfera onde ele deverá servir a Deus.

Sendo assim, cada cristão tem uma função específica para a qual Deus lhe deu um dom, de sorte que mais ninguém poderá fazer aquela tarefa tão bem quanto ele. Como precisamos saber o que Deus quer de nós! Como devemos ser diligentes em usar o dom que Ele nos deu!

Cap. 3 — Dons fundamentais


Nas três listas de dons que encontramos no NT, temos nada menos que dezenove dons. E estas listas não pretendem ser completas; não fornecem uma relação dos dons, e sim, uma amostra deles.

Para facilitar o nosso estudo vamos dividir estes dons em 3 grupos:
  • Dons fundamentais
  • Dons dados como sinais
  • Dons permanentes

No primeiro grupo, que estudaremos neste capítulo, temos dois dons — o de apóstolo e o de profeta. São chamados de "fundamentais" porque foram concedidos e usados por Deus no fundamento da igreja. Paulo, escrevendo aos efésios a respeito da Igreja, lhes disse que eles não eram mais "estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos e da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina" (Ef 2:19-20).

Ele não queria dizer com isto que os apóstolos e profetas eram o fundamento da Igreja, pois ele mesmo havia escrito aos coríntios que era impossível lançar outro fundamento "além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo" (veja I Co 3:11). O próprio Senhor Jesus Cristo afirmou que edificaria a Sua Igreja sobre esta "pedra" (veja Mt 16:18). Ele não falou que edificaria sobre Pedro, mas sobre Ele mesmo, o Senhor Jesus Cristo, que Pedro acabara de confessar. Pedro mesmo explicou o que significa esta pedra ao escrever na sua primeira carta: "Chegando-vos para Ele, pedra viva, reprovada, na verdade, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa" (I Pe 2:4).

Os apóstolos e profetas foram usados por Deus para lançar este fundamento, como Efésios 2:20 nos ensina. A função específica destes dois dons era necessária no início da igreja, pois naquele tempo o NT ainda não fora escrito. Não havia esta Palavra final de autoridade absoluta e, consequentemente, a presença de apóstolos, autorizados e enviados pelo Senhor, era necessária. A função dos profetas também era necessária, até que se completasse a revelação das Sagradas Escrituras.

Hoje, porém, não estamos lançando o fundamento. Temos uma revelação completa da vontade de Deus para nós, e consequentemente, não há mais necessidade de termos apóstolos e profetas.

Apóstolos


Esta palavra "apóstolo" significa um enviado, mensageiro, agente. Num sentido, todo cristão é apóstolo, pois todos nós somos enviados pelo Senhor para levar o Evangelho a toda criatura. Mas todos sabem que a Bíblia usa esta palavra num sentido mais restrito, referindo-se àquele grupo de homens que o Senhor mesmo escolheu e chamou.

Para ser apóstolo, era necessário ter um chamado especial da parte do Senhor Jesus Cristo (veja Lc 6:13). Era também necessário ter acompanhado o Senhor durante todo o tempo desde o Seu batismo no Jordão até à Sua ascensão ao céu (veja At 1:21-22).

Na sua primeira carta aos Coríntios, Paulo defende o seu apostolado, mostrando que ele também viu o Senhor Jesus, embora não O tivesse acompanhado quando Ele andou aqui (veja I Co 9:11). Seu caso era excepcional. Ele não pertencia aos "doze". O seu apostolado não contradiz o que foi dito acima; pelo contrário, reforça a necessidade de tais qualificações, pois, se estas não fossem necessárias, Paulo não teria de provar, desta forma, que era de fato um apóstolo.

Autoridade apostólica


Os apóstolos, como enviados especiais do Senhor, possuíam uma autoridade delegada, pois agiam como representantes do Senhor. Na segunda carta aos Coríntios, Paulo fala desta autoridade e a defende nos caps. 10 a 13. Veja, por exemplo, o que ele escreveu no cap. 10: "Porque, ainda que eu me glorie mais alguma coisa do nosso poder, (exousia no grego, que significa "autoridade") o qual o Senhor nos deu para edificação, e não para vossa destruição, não me envergonharei" (II Co 10:8). Mais tarde, ele tornou a dizer: "Portanto, escrevo estas coisas estando ausente, para que, estando presente, não use de rigor, segundo o poder (exousia — autoridade) que o Senhor me deu para edificação, e não para destruição" (II Co 13:10).

Exemplos de autoridade apostólica


Vemos exemplos desta autoridade apostólica em várias partes do NT. Quando Pedro viu a operação do Espírito Santo na casa de Cornélio, ele mandou que aquelas pessoas fossem batizadas (veja At 10:48). O apóstolo João também podia usar de autoridade, pois ouvindo de Diótrefes, que gostava de exercer a primazia na igreja local, ele disse: "Se eu for, trarei à memória as obras que ele faz, proferindo contra nós palavras maliciosas" (III Jo 1:10). A autoridade de Paulo tornou-se evidente quando escreveu: "Eu na verdade, ainda que ausente no corpo, mas presente no espírito, j* determinei, como se estivesse presente …" (I Co 5:3).

Hoje, porém, não temos mais apóstolos neste sentido da palavra. Creio que todo cristão concorda com isto, embora certas seitas falsas professam ter entre eles os sucessores dos doze apóstolos. Isto não nos surpreende. O próprio apóstolo Paulo avisou que haveria falsos apóstolos, mesmo naqueles dias quando os apóstolos verdadeiros ainda estavam vivos! O Senhor Jesus também falou destes. Na carta que enviou à igreja em Éfeso, Ele elogiou aquela igreja porque pôs à prova os que diziam ser apóstolos, e não eram, e os achou mentirosos (veja Ap 2:2). Escrevendo aos coríntios, Paulo disse: "Porque tais falsos apóstolos, são obreiros fraudulentos, transfigurando-se em apóstolos de Cristo. E não é de admirar, porque o próprio Satanás se transfigura em anjo de luz" (II Co 11:13-14).

Uma vez que a revelação de Deus para nós foi completada, o último dos apóstolos, João, foi levado para o céu. A autoridade, que outrora residia nos apóstolos, reside agora na Palavra escrita, e nenhum homem pode se impor querendo exercer uma autoridade acima da Palavra de Deus.

Profetas


Quando se fala em profetas, geralmente se pensa naqueles que prediziam o que iria acontecer. Na realidade, o papel do profeta abrangia muito mais do que isto. Basta ler os livros dos profetas no VT para descobrir que o profeta recebia mensagens diretamente de Deus, e as transmitia ao povo. Estas mensagens poderiam ser pronunciamentos sobre acontecimentos futuros, ou poderiam ser exortações ou ensinos para o povo de Deus.

Em séculos passados, quando não havia uma Bíblia completa, isto é, a revelação completa da vontade de Deus para o Seu povo, era necessário haver profetas para comunicar a Palavra de Deus. Porém, uma vez que o NT foi completado, Deus não precisou mais de profetas e, consequentemente, o dom cessou.

Em primeiro lugar, não pode haver mais profetas porque não há mais nada para revelar que já não esteja revelado na Bíblia. Além disto, a própria Bíblia proíbe expressamente acrescentar uma palavra sequer a esta revelação (veja Ap 22:18). Se houver um acréscimo, é falso! Tudo que precisamos saber já está revelado.

Paulo escreveu a Timóteo, dizendo: "Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça, para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra" (II Tm 3:16-17). Se as Escrituras são suficientes para que o homem de Deus seja perfeito e completamente habilitado para toda a boa obra (como afirma a citação acima), então não precisamos de mais nada. Qualquer outra revelação seria supérflua. E Deus não daria uma profecia desnecessariamente. Todo dom espiritual é dado visando um fim proveitoso (veja I Co 12:7).

Se estes argumentos não são suficientes para provar que não temos mais profetas da parte de Deus, podemos voltar à Bíblia, e verificar o que ela mesmo afirma: "Havendo profecias, serão aniquiladas" (I Co 13:8). O verbo grego, traduzido "serão aniquiladas", significa tornar inativas ou inoperantes. Este versículo, portanto, fala claramente de um dia quando a profecia deixaria de ser usada — tornar-se-ia inoperante.

Este mesmo capítulo nos conta não somente que a profecia se tornaria inoperante, como também nos informa quando isto aconteceria! Veja o contexto. No v. 9 lemos: "Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos" (I Co 13:9). Isto é, este versículo fala de um conhecimento "em parte" e de uma revelação "em parte". O v. 10, porém, nos diz: "Mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado" (tornar-se-á inoperante). Em contraste com o conhecimento "em parte" e a profecia "em parte", Paulo agora fala de algo "perfeito", isto é, um conhecimento completo, devido a uma revelação completa. Em outras palavras "o que é perfeito" é a Bíblia Sagrada — a completa revelação de Deus para o Seu povo aqui no mundo. No v. 11, ele ainda fornece uma ilustração, mostrando como seria o fim deste dom. Da mesma forma que um menino, progressivamente, deixa das coisas de menino, tornando-se homem, assim, progressivamente, à medida que as Escrituras iam sendo completadas, as profecias iam desaparecendo, até que finalmente cessaram, quando a Bíblia foi completada.

Quando o Senhor Jesus ainda andava aqui no mundo, Ele avisou o povo, dizendo: "Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas interiormente são lobos devoradores" (Mt 7:15). Ainda acrescentou: "Muitos Me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em Teu nome?" aos quais Ele responderá: "Nunca vos conheci; apartai-vos de Mim, vós que praticais a iniquidade" (Mt 7:22-23).

Mais para o fim do Seu ministério terreno, Ele ainda avisou os Seus discípulos que nos dias que hão de preceder a Sua vinda, "surgirão muitos falsos profetas, e enganarão a muitos" (Mt 24:11). Não apenas "falsos profetas", mas, note bem, muitos falsos profetas. Ele ainda nos disse que estes farão tão grandes sinais e prodígios que, se fora possível, enganariam até os escolhidos (veja Mt 24:24). O Seu conselho é importante e muito relevante hoje: "Se vos disserem: Eis que Ele está no deserto, não saiais; eis que Ele está no interior da casa; não acrediteis" (Mt 24:26).

Conclusão


Os dois dons que acabamos de considerar — o de apóstolo e o de profeta — foram usados por Deus no fundamento da Igreja, e então cessaram. Não existem hoje. Já que temos uma revelação completa da vontade do Senhor para nós, não há mais serviço para o profeta; já que esta revelação está revestida da mais alta autoridade, sendo ela a Palavra de Deus, não precisamos mais da autoridade dos apóstolos. Qualquer "apóstolo" ou "profeta" que aparecer em nossos dias é, consequentemente, falso. Ap 2:2; II Co 11:13 etc.

Sendo que estes dois dons eram temporários, devemos estar atentos ao estudo dos demais, para ver se alguns deles também são temporários, e quais são os que permanecem em uso até hoje.

Cap. 4 — Dons dados como sinais


No capítulo anterior, para facilitar o estudo, dividimos os dons em três grupos. Já consideramos o primeiro grupo — os dons fundamentais — e notamos o seu caráter temporário. Consideremos, agora, o segundo grupo — aquele que chamamos de "dons dados como sinais". Este grupo é maior; é composto de dons que, ainda hoje, cativam a atenção e admiração de muitos.

Para entendermos a natureza e a finalidade destes dons-sinais, devemos considerar, em primeiro lugar, algumas ocorrências da palavra "sinal" no NT. Ela é usada 77 vezes ao todo, e a maioria destas ocorrências se encontra nos Evangelhos.

Os sinais do Senhor Jesus


O primeiro sinal que o Senhor Jesus operou foi o de transformar água em vinho, nas bodas de Caná da Galiléia (veja Jo 2:11). Os quatro relatos inspirados da Sua vida aqui na Terra mostram que Ele fez muitos sinais. O apóstolo João diz que Ele "operou também em presença de Seus discípulos muitos outros sinais, que não estão escritos neste livro" (Jo 20:30).

Nicodemos reconheceu a importância e o significado destes sinais. Uma noite, conversando com o Senhor Jesus, ele disse: "Rabi, bem sabemos que és Mestre, vindo de Deus, porque ninguém pode fazer estes sinais que Tu fazes, se Deus não for com ele" (Jo 3:2). Até os Seus inimigos, os fariseus, sabiam disto, embora não o quisessem admitir publicamente. Os principais dos sacerdotes e os fariseus formaram conselho e disseram: "Que faremos? Porquanto este homem faz muitos sinais. Se o deixarmos assim, todos crerão nEle, e virão os romanos, e tirar-nos-ão o nosso lugar e a nação" (Jo 11:47-48).

Estes mesmos fariseus, porém, chegaram-se ao Senhor Jesus, mais de uma vez, pedindo um sinal! Veja, por exemplo, Mt 12:38-40: "Então alguns dos escribas e dos fariseus tomaram a palavra, dizendo: Mestre, quiséramos ver da Tua parte algum sinal. Mas Ele lhes respondeu, e disse: Uma geração má e adúltera pede um sinal, porém não se lhe dará outro sinal senão o do profeta Jonas: pois, como Jonas esteve três dias e três noites no ventre da baleia, assim estará o Filho do homem três dias e três noites no seio da terra". Compare Mt 16:1-4 e Lc 11:14-16, 29-30.

Estes sinais foram apresentados pelo Senhor Jesus para provar que Ele era o Cristo. O apóstolo João disse que o mundo todo não poderia conter os livros que seriam escritos, se tudo que o Senhor Jesus fez fosse contado (veja Jo 21:25). Alguns sinais, porém, foram selecionados e registrados na Bíblia, para que os que lessem, pudessem crer que Ele é de fato o Cristo (Jo 20:31).

Quando João Batista teve dúvidas, o Senhor não mandou dizer-lhe que Ele era o Cristo; mandou dizer a João o que Ele estava fazendo. Os próprios sinais convenceriam João (Mt 11:2-6). Os líderes do povo viram os sinais e não puderam negá-los, mas recusaram aceitar o seu Messias; e quando pediram mais sinais, tentando-O, o Senhor recusou dar-lhes mais, a não ser o da Sua morte e ressurreição. Jonas serviu de sinal para os perversos ninivitas (veja Mt 12:39-41). A morte e ressurreição do Senhor seria o sinal para aquela geração má e adúltera.

Os sinais dos discípulos


Depois de ressuscitar de entre os mortos, o Senhor enviou os Seus discípulos a todas as nações, e prometeu-lhes sinais para autenticar a Sua mensagem. Ele disse: "Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a toda a criatura. Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado. E estes sinais seguirão aos que crerem: em meu nome expulsarão os demônios; falarão novas línguas; pegarão nas serpentes; e, se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará dano algum; e porão as mãos sobre os enfermos, e os curarão" (Mc 16:15-18).

Cinco sinais são mencionados nestes versículos, mas esta lista não pretende ser completa; ela mostra como seriam os sinais. Seriam a capacidade para realizar obras que são, evidentemente, sobre-humanas.

Nas listas de dons espirituais que temos mencionado, encontramos alguns que estão também incluídos na lista de sinais de Marcos cap. 16. Por exemplo, línguas e curas constam em ambas as listas. Há também outros que são semelhantes em gênero, tais como operações de milagres e discernimento de espíritos (veja I Co 12:9-10). Vamos considerar agora estes dons que foram dados, especificamente, como sinais.

Os dons-sinais eram temporários


Os dons dados como sinais cessaram durante a vida dos apóstolos e não existem hoje. Tendo dito isto, precisamos agora provar que é assim, pois ninguém tem o direito de afirmar que dons são temporários a não ser que a própria Bíblia deixe isto claro. Eu creio que a Bíblia não nos deixa em dúvida. Vamos examiná-la e apresentar as provas.

Marcos 16:15-20


O primeiro trecho que vamos examinar é Marcos cap. 16, onde o Senhor Jesus prometeu que certos sinais seguiriam aqueles que cressem no Evangelho. Se analisarmos o trecho em foco, veremos que o Senhor Jesus deu uma ordem aos Seus discípulos (v. 15), e uma informação (v. 16). A ordem foi a de pregar o Evangelho a toda a criatura, e a informação foi a respeito dos resultados desta pregação; quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado.

Em seguida, vemos uma promessa (vs. 17 e 18), e um comentário (vs. 19 e 20). A promessa foi dada pelo Senhor Jesus Cristo, e o comentário foi feito pelo Espírito Santo, através de Marcos. O Senhor prometeu que sinais seguiriam aqueles que cressem na pregação do Evangelho; Marcos comentou que o Senhor cumpriu esta promessa, confirmando assim a Sua Palavra.

O que nos interessa mais no momento, para este estudo, é a promessa de sinais e o comentário a respeito deles, ou seja, os versículos 17 a 20. Quando lemos estes versículos com atenção, e com a mente aberta, vemos que eles não dizem o que muitos pensam que dizem!

Observe bem os verbos usados pelo Senhor nesta promessa. Como é de se esperar, Ele usou o tempo futuro. Afinal, a promessa era sobre coisas futuras, e o Senhor lhes prometeu que aconteceriam sinais; sinais que não estavam ainda em evidência entre os apóstolos quando Ele falou. Ele disse: "Estes sinais seguirão … expulsarão … falarão … pegarão … se beberem … porão …"

Observe, agora, a diferença nas palavras do Espírito Santo ao comentar esta promessa. Ele não usou o tempo presente do verbo e sim o tempo passado. Ele disse que o Senhor, depois de lhes ter falado, foi recebido no céu, e assentou-Se à direita de Deus. Disse que eles (isto é, os primeiros discípulos), tendo partido, pregaram por todas as partes, cooperando com eles o Senhor, e confirmando a palavra com os sinais que se seguiram! Impressionante! O Espírito Santo não disse: "Confirmando a palavra com os sinais que estão seguindo"! Não! Não usou o tempo presente; usou o passado! E por que usou o passado? Só pode haver uma resposta: usou o tempo passado, porque não poderia usar o presente; estes sinais já eram coisas do passado.

Devemos lembrar que cada palavra da Bíblia é divinamente inspirada. Se o Espírito Santo usou o tempo passado do verbo, e não o presente, é porque, quando Marcos escreveu este livro, os sinais já haviam cessado. Não se manifestavam mais.

Confirmando isto, veja como Marcos usou a terceira pessoa: "Depois de lhes ter falado …" (v. 19), "Eles, tendo partido, pregaram" (v. 20). Não há dúvida de que o "lhes" no versículo 19 e o "eles" no versículo 20 se referem às mesmas pessoas. Os sinais acompanharam aquela primeira geração de pregadores, mas Marcos (e seus contemporâneos da geração seguinte) não tinha este poder. O v. 19 relata o que aconteceu com o Senhor que deu a promessa — Ele foi recebido no céu, e assentou-se à direita de Deus. O v. 20 relata o que aconteceu com os discípulos que receberam a promessa — eles obedeceram, indo e pregando por toda parte. E o Senhor confirmou a Palavra com os sinais que se seguiram.

Hebreus 2:3-4


"Como escaparemos nós, se não atentarmos para uma tão grande salvação, a qual, começando a ser anunciada pelo Senhor, foi-nos depois confirmada pelos que a ouviram, testificando também Deus com eles, por sinais, e milagres, e várias maravilhas e dons do Espírito Santo, distribuídos por sua vontade?"

Lendo estes dois versículos com atenção, notamos dois grupos distintos que ouviram de tão grande salvação. O primeiro grupo são aqueles que ouviram do Senhor mesmo. O segundo grupo são os que ouviram de "segunda mão", isto é, ouviram daqueles que primeiramente tinham ouvido do Senhor. O escritor desta carta se inclui no segundo grupo, pois ele disse: "foi-nos confirmada".

Tendo falado da mensagem, no v. 3, o escritor continua agora, no v. 4, falando das maravilhas que acompanharam a pregação. Ele fala de sinais, milagres, várias maravilhas e dons do Espírito Santo. Fala de uma demonstração de poder sobrenatural. Mas, note bem as palavras que o escritor usa: "Testificando também Deus com eles …" Note especialmente a palavra "eles", que aqui se refere, sem dúvida, àquele primeiro grupo e, consequentemente, excluiria o escritor desta carta e as demais pessoas que, como ele, compunham o segundo grupo.

Isto quer dizer que os sinais e maravilhas acompanharam as pregações daqueles primeiros pregadores, mas não se manifestaram posteriormente com as pregações dos demais servos de Deus. Se os sinais e maravilhas ainda estivessem em manifestação quando a carta aos Hebreus foi escrita, então o Espírito Santo poderia ter dito que Deus estava testificando através dos referidos sinais. Não teria indicado que isto acontecera somente com os primeiros pregadores. Mas Ele salientou este fato, confirmando o que acabamos de notar no estudo de Marcos cap. 16, isto é, que os sinais foram dados, como o Senhor prometera, e que logo cessaram.

Mais provas


A menção, no NT, de certos casos de curas impressionantes, bem como de certos casos de doença, confirmam que os dons-sinais duraram pouco tempo. Vejamos alguns destes casos.

O caso de Paulo


No início do ministério de Paulo, o dom de curar era evidente. Em Listra, ele curou um homem que nunca andara (At 14:9-10). Mais tarde, lemos que Deus, através de Paulo, "fazia maravilhas extraordinárias. De sorte que até os lenços e aventais se levavam do seu corpo aos enfermos, e as enfermidades fugiam deles, e os espíritos malignos saíam" (At 19:11-12). No capítulo seguinte, vemos Paulo ressuscitando um morto! Êutico havia caído da janela e morrido durante a pregação de Paulo, mas Paulo logo desceu e o ressuscitou (At 20:7-10).

Mais tarde, porém, este mesmo Paulo não tinha poder para curar-se a si mesmo! Ele sofria de uma fraqueza que ele chamou de "um espinho na carne" (II Co 12:7-10). Três vezes ele pediu ao Senhor que o livrasse daquele incômodo, mas Deus não o livrou. Antes, disse: "A Minha graça te basta".

Isto aconteceu depois dos incidentes narrados acima. No início do seu ministério, Paulo possuía o dom de curar; mais tarde, quando ele sofria do espinho na carne, o dom havia cessado, e ele não podia curar-se a si mesmo.

O caso de Timóteo


Timóteo era o companheiro fiel de Paulo. O NT menciona frequentemente este servo de Deus, mostrando a sua dedicação e fidelidade. Certa vez, o Espírito Santo levou Paulo a escrever: "Ninguém tenho de igual sentimento, que sinceramente cuide do vosso estado" (Fp 2:20). Ele estava se referindo a Timóteo.

Mas Timóteo andava doente. Ele sofria frequentemente do estômago. E Paulo não podia curá-lo! Não foi por falta de fé da parte de Timóteo; pelo contrário, Paulo falou da fé não fingida que estava em Timóteo (II Tm 1:5). Mesmo assim, Paulo teve que limitar-se a dar conselho médico a seu companheiro no Evangelho. Disse Paulo: "Não bebas mais água só, mas usa de um pouco de vinho, por causa do teu estômago, e das tuas frequentes enfermidades" (I Tm 5:23). Se existisse ainda o dom de curar, certamente este servo de Deus teria sido curado para que pudesse continuar o seu trabalho, sem impedimento. Mas Paulo não possuía mais o dom de curar.

O caso de Trófimo


O que aconteceu com Trófimo confirma o que acabamos de dizer. A segunda carta a Timóteo é a última carta inspirada que o apóstolo Paulo escreveu. Não é possível lê-la sem ficar comovido. O velho guerreiro do Senhor estava em circunstâncias tristes. Leia o último capítulo, e sinta a solidão do apóstolo. "Demas me desamparou … Alexandre causou-me muitos males … ninguém me assistiu na minha primeira defesa" (vs. 10, 14, 16). Ele ainda fala de outros irmãos que foram para outros lugares no serviço do Senhor; só Lucas estava com ele.

Havia, porém, um irmão que o acompanhou naquela última viagem até Mileto. Era Trófimo. E Trófimo queria acompanhá-lo até o fim, mas adoeceu em Mileto. Adoeceu, e Paulo, que precisava da sua companhia, não podia curá-lo. Diz Paulo: "Deixei Trófimo doente em Mileto" (II Tm 4:20). A iniciativa era de Paulo; não foi de Trófimo. Não diz que Trófimo ficou, mas sim, que Paulo o deixou. Trófimo, mesmo doente, queria ir com seu irmão, mas Paulo, prudentemente, o deixou. Se Paulo tivesse ainda o dom de curar, este irmão teria sido curado para que pudesse acompanhar o apóstolo naquela última viagem.

Por quê?


Diante destes fatos, surge uma pergunta: Por que Paulo perdeu o dom de curar? Teria ele se afastado do Senhor? Era menos espiritual do que no início do seu ministério?

Creio que ninguém ousaria responder afirmativamente a estas perguntas. Ele mesmo, quando viu o seu fim se aproximar, disse: "Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia" (II Tm 4:7-8). Ele não se afastou do Senhor, pelo contrário, quando ninguém o assistiu na sua primeira defesa, ele testificou: "O Senhor assistiu-me, e fortaleceu-me" (II Tm 4:17).

Paulo perdeu o dom de curar, não por falha ou negligência sua, mas simplesmente porque aquele dom cessou de operar. Não era a vontade de Deus que tal dom continuasse, pois não era mais necessário.

Os sinais foram dados, no início, para autenticar a mensagem dos primeiros pregadores, mas nunca foi a intenção de Deus que continuassem. Vemos isto nas palavras de Paulo aos coríntios, a respeito do seu apostolado: "Os sinais do meu apostolado foram manifestados entre vós com toda a paciência, por sinais, prodígios e maravilhas" (II Co 12:12). Ele não mostrou mais sinais para confirmar o seu apostolado; ele disse que já "foram manifestados"; não seriam repetidos.

Os dons-sinais


Alguns dons dados como sinais são mencionados em I Co 12, e vamos considerá-los agora.

Fé (v. 9)


A fé mencionada aqui obviamente não é a fé salvadora; não é de todos os salvos. Leia o contexto: "a um pelo Espírito é dada a palavra da sabedoria … e a outro, pelo mesmo Espírito, a fé …". Esta é a fé mencionada em 13:2 — a fé que transporta montes, e nem todos os salvos possuíam este dom.

Dons de curar (v. 9)


Note o plural — literalmente dons de curas. Ambas as palavras estão no plural, indicando operações diferentes conforme a doença. Vemos exemplos destes dons em Atos dos Apóstolos (5:16; 28:8, etc.).

Operações de maravilhas (v. 10)


Observe, novamente, os plurais — literalmente operações de maravilhas ou milagres. São diferentes das curas mencionadas acima. Vemos exemplos no ministério do Senhor Jesus. Além de curar enfermos, Ele fez maravilhas, tais como transformar água em vinho (Jo 2); alimentar uma multidão (Jo 6) e acalmar uma tempestade no mar (Mr 4).

Discernir os espíritos (v. 10)


O Comentário Ritchie diz: "Isto se refere ao dom de discernir se a mensagem era do Espírito Santo, ou se era de um espírito maligno." Uma ilustração disto se encontra em Atos 16:16-18. Compare I Co 14:29.

Variedade de línguas (v. 10)


Não comentaremos este dom agora, pois pretendemos examiná-lo detalhadamente no próximo capítulo.

Interpretação das línguas (v. 10)


Isto não se refere à capacidade de um poliglota, conhecedor de várias línguas; é um dom espiritual — era a capacidade, divinamente dada a um irmão, para interpretar uma mensagem em língua desconhecida, para que a igreja fosse edificada. Veja cap. 14:26-27.

Cap. 5 — O dom de línguas


Entre os dons dados como sinais, destaca-se o de línguas. Em primeiro lugar, este dom destaca-se porque foi mencionado pelo Senhor, quando citou vários sinais que seguiriam aqueles que cressem no Evangelho. Além disso, o Espírito Santo levou o apóstolo Paulo a dedicar um capítulo inteiro à consideração deste dom. Em terceiro lugar, é um dos dons mais comentados em nossos dias. Por estas razões, vamos considerá-lo em mais detalhes.

O que é o dom de línguas


A palavra "línguas" (glossa, no grego) aparece 50 vezes no NT. Em 17 destas ocorrências significa a língua, um membro do corpo humano. Uma vez é usada figurativamente, quando Lucas escreveu de línguas repartidas que pousaram sobre a cabeça de cada um dos discípulos (At 2:3), e nos demais casos (32 vezes), refere-se a um idioma.

Atos dos Apóstolos


Em Atos dos Apóstolos encontramos três menções específicas do dom de línguas. O primeiro caso aconteceu no dia de Pentecostes, no ano em que o Senhor Jesus foi crucificado (Atos 2:4). Os discípulos estavam reunidos em Jerusalém, esperando a promessa do Pai, quando "foram vistas por eles línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles. E todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem" (At 2:3-4).

Havia, naqueles dias, homens de todo o mundo visitando Jerusalém. Eram homens devotos. Estavam ali para participar da festa judaica de Pentecostes. Foi naquela ocasião que aconteceu, pela primeira vez, o milagre de línguas. Ajuntou-se uma multidão atônita. Todos pasmavam-se e se maravilhavam, dizendo uns aos outros: "Pois quê! Não são galileus todos esses homens que estão falando? Como pois os ouvimos, cada um, na nossa própria língua em que somos nascidos?" (At 2:7-8). Ainda acrescentaram: "Temos ouvido em nossas próprias línguas falar das grandezas de Deus" (At 2:11), e outros zombavam, dizendo: "Estes estão cheios de mosto" (At 2:13).

Até este ponto tudo fica claro. No dia de Pentecostes quando, pela primeira vez, foi manifestado o dom de línguas, os discípulos falaram em idiomas que eles mesmos não conheciam, mas que eram perfeitamente compreensíveis aos seus ouvintes.

A segunda ocorrência de línguas em Atos aconteceu na casa de Cornélio. Enquanto Pedro pregava naquele lar, o Espírito Santo caiu sobre todos os que ouviam a palavra e começaram a falar em outras línguas. Os judeus, que tinham ido com Pedro "maravilharam-se de que o dom do Espírito Santo se derramasse também sobre os gentios. Porque os ouviam falar línguas e magnificar a Deus" (At 10:45-46).

Mais tarde, quando Pedro chegou a Jerusalém, ele explicou o que havia acontecido na casa de Cornélio. Era necessário explicar, porque alguns dos irmãos (sendo judeus) achavam que Pedro não deveria ter ido à casa de um gentio. Pedro lhes disse: "Quando comecei a falar, caiu sobre eles o Espírito Santo, como também sobre nós ao princípio" (At 11:15). Ainda acrescentou: "Deus lhes deu o mesmo dom que a nós" (At 11:17). Fica claro, então, que o que aconteceu na casa de Cornélio foi idêntico ao que acontecera em Jerusalém no dia de Pentecostes. Naquele dia, como já observamos, as línguas eram idiomas falados por outros povos; portanto, as línguas faladas na casa de Cornélio, em Cesaréia, também eram idiomas.

A terceira manifestação deste dom, em Atos dos Apóstolos, aconteceu em Éfeso (At 19:6). Paulo encontrou-se ali com doze homens que eram discípulos de João Batista, mas que não sabiam nada dos acontecimentos do dia de Pentecostes, quando o Espírito Santo descera. Paulo lhes explicou e eles logo foram batizados e, "impondo-lhes Paulo as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo, e falavam línguas e profetizavam" (At 19:6).

Sendo que não há maiores informações sobre este acontecimento, temos logicamente que concluir que não era diferente das duas manifestações anteriores, a saber, a de Jerusalém, no dia de Pentecostes, e a de Cesaréia, na casa de Cornélio.

Portanto, as manifestações de línguas, registradas em Atos dos Apóstolos, mostram que este dom era a capacidade dada pelo Espírito Santo de falar em outros idiomas, sem antes estudá-los.

I Coríntios 14


Além da promessa do Senhor, que já notamos em Marcos cap. 16, e das três manifestações de línguas que já observamos em Atos, a única menção no NT do dom de línguas é na carta aos Coríntios. No cap. 12 desta carta aprendemos que o dom de línguas é um dos dons dados pelo Espírito Santo, visando um fim proveitoso (vs. 7, 10). No cap. 13, descobrimos que este dom seria temporário (v. 8). É no cap. 14, porém, que encontramos maiores detalhes.

Analisando este capítulo, a natureza e a finalidade deste dom tornam-se claras. Dividimos os primeiros 28 versículos da seguinte maneira:
  • vs. 1 a 20 — O valor do dom de línguas;
  • vs. 21 a 25 — O propósito do dom de línguas;
  • vs. 26 a 28 — O controle do dom de línguas.

O valor do dom de línguas


O ensino destes primeiros vinte versículos é que as línguas não têm valor algum se elas não forem entendidas ou interpretadas. A profecia era muito mais importante, pois aquele que profetizava falava aos homens para edificação, exortação e consolação (v. 3); mas aquele que falava línguas, não falava aos homens, visto que ninguém o entendia (v. 2). Portanto, o que profetizava edificava a igreja, ao passo que o que falava língua edificava-se a si mesmo (v. 4). Paulo, então, deduz de tudo isto que é melhor profetizar do que falar em língua, a não ser que a língua seja interpretada. Consequentemente, ele mesmo preferiria falar apenas cinco palavras compreensíveis do que dez mil palavras numa língua desconhecida (v. 19).

Devemos lembrar que todos estes dons foram dados visando um fim proveitoso. Isto quer dizer que nunca foi o propósito de Deus que o dom de línguas fosse usado sem que houvesse intérprete, caso os ouvintes não entendessem a mensagem.

O propósito do dom de línguas


Se o valor deste dom depende inteiramente da interpretação, não seria ele desnecessário? Por que, então, Deus deu este dom?

Encontramos a resposta aqui mesmo em I Coríntios cap. 14. Veja o v. 22: "as línguas são um sinal". O versículo completo diz: "De sorte que as línguas são um sinal, não para os fiéis, mas para os infiéis; a profecia não é sinal para os infiéis, mas para os fiéis."

Este versículo ensina que o valor do dom de línguas não era para aqueles que criam e sim para os que não criam, e os exemplos que vimos em Atos dos Apóstolos confirmam isto; serviu para convencer os judeus e prosélitos incrédulos que estavam em Jerusalém no dia de Pentecostes, e também para convencer irmãos dentre os judeus que não criam que o Espírito Santo pudesse ser dado aos gentios (At 10:45); serviu também de sinal para judeus que haviam seguido João Batista. Estes não tinham ouvido da obra do Espírito Santo e, consequentemente, não haviam crido. O dom de línguas era um sinal para os judeus que não criam.

Veja, porém, as primeiras palavras do versículo acima citado: "de sorte que as línguas são um sinal …" "De sorte que" — esta expressão nos leva de volta ao versículo anterior para descobrir a razão porque as línguas constituem um sinal para os incrédulos, e descobrimos que este versículo é uma citação do VT. Paulo está citando as palavras de Isaías 28:11-12.

Isto torna mais interessante ainda o assunto de línguas. Não era simplesmente algo que aconteceu. Foi prometido por Deus séculos antes. Por quê?

O profeta Isaías falou, no seu cap. 28, do castigo que Deus traria sobre Efraim e Judá. Ele mostrou, porém, que este castigo seria precedido por um sinal: "Por lábios estranhos e por outra língua, falará a este povo" (Is 28:11). Ele daria o sinal de línguas desconhecidas. Deus deixou claro, na profecia de Isaías, que Ele sabia que o povo rejeitaria o sinal, mas mesmo assim, não deixou de dá-lo e de avisar os incrédulos.

Quando o Senhor Jesus veio ao mundo Ele foi rejeitado, apesar da evidência inegável dos sinais que Ele praticava. Aquele povo pediu que fosse crucificado. Apesar de terem rejeitado o seu Messias, Deus não os castigou imediatamente; antes, conforme Ele mesmo havia falado, Ele enviou aos judeus o sinal de línguas. Enviou os Seus apóstolos com uma mensagem de reconciliação, e autenticou a mesma através de línguas. Os versículos citados (I Co 14:21-22) não deixam lugar para dúvidas. As línguas prometidas em Isaías são as que apareceram nos primeiros anos do testemunho da igreja.

Mas o povo não ouviu (Is 28:11). Permaneceu rebelde, e finalmente o castigo predito veio. No ano 70 a.D. Jerusalém foi destruída pelos exércitos romanos comandados pelo general Tito, e, consequentemente, o sinal de línguas desapareceu; não havia mais utilidade.

O sinal, portanto, foi dado aos judeus incrédulos, avisando-os da iminente destruição da sua cidade. Mas eles não deram ouvidos, e o castigo veio. Depois do ano 70 a.D. portanto, não havia mais razão para este sinal, e a palavra do Senhor, escrita por Paulo, cumpriu-se: "Havendo línguas, cessarão" (I Co 13:8).

O controle do dom de línguas


A esta altura não precisamos comentar sobre as instruções que o Espírito Santo deu para controlar o uso deste dom. Veremos isto no próximo capítulo, ao considerarmos o que está acontecendo hoje.

Cap. 6 — O que está acontecendo?


Se a Bíblia indica, como já observamos, que os dons dados especificamente como sinais eram temporários e cessariam mesmo durante a vida dos apóstolos, como se explica a existência, hoje, de manifestações de línguas desconhecidas, curas, exorcismos e outras coisas semelhantes?

Ora, é um fato inegável que muitos em nossos dias falam línguas que não conhecem, fazem curas aparentemente milagrosas, e expulsam demônios. Muitos fazem isto em nome do Senhor Jesus, e dizem ser servos Seus. Como se explica esta aparente incoerência entre o ensino bíblico que apresentamos nos capítulos anteriores e a experiência destas pessoas?

Línguas estranhas — quem as fala?


Quando se começa a pesquisar este assunto, ficamos muito surpreendidos ao descobrir que pessoas de diversas crenças falam as mesmas línguas! Nas igrejas chamadas "Pentecostais" este "dom" é muito destacado. Elas buscam uma experiência que chamam de "batismo do Espírito Santo" — experiência esta que se manifesta através das referidas línguas. Mas este fenômeno não é propriedade exclusiva das denominações "pentecostais". Nas chamadas denominações evangélicas tradicionais aparecem agora as mesmas línguas.

E não é somente na parte "Protestante" do cristianismo que as línguas aparecem. O movimento carismático no seio da igreja Católica também busca e alcança estas línguas. Seitas consideradas heréticas, por exemplo os Mórmons, também falam línguas estranhas. Joseph Smith, o fundador, ensinava os seus seguidores a falar em línguas!

Entre aqueles que não professam ser cristãos as mesmas línguas aparecem. A profetiza de Delphi, perto de Corinto, falava línguas no século I e, conforme Plutarco, havia intérpretes presentes para explicar as suas palavras incoerentes. Nas religiões pagãs de vários países da África, as línguas estranhas são comuns. A mesma coisa acontece na Groenlândia, bem como no Haiti e outros países ocidentais. No Budismo, no Xintoismo, e entre os seguidores de Maomé, há línguas. No Espiritismo, tão popular no Brasil, também aparecem línguas estranhas.

Verificamos, portanto, que falar em línguas não é coisa exclusivamente cristã; é comum a quase todas as religiões do mundo. Podemos ir mais longe ainda e afirmar que não está limitado à religião; aparece muitas vezes em certas doenças de origem nervosa.

De onde vêm estas línguas?


Creio que todos concordarão que pelo menos algumas destas manifestações não são obra do Espírito Santo. Por exemplo, parece claro que as línguas faladas no paganismo não são do Espírito Santo; as que são consequência de enfermidade, também não são dons de Deus. Mas, será que algumas delas são produzidas por Deus? Ou estaríamos certos em afirmar, baseando-nos no estudo apresentado nos capítulos anteriores, que nenhuma destas manifestações é do Espírito Santo?

Precisamos verificar a procedência destas línguas, pois a própria Bíblia nos avisa que não devemos crer em todo espírito, antes devemos prová-los para saber se são de Deus. Creio que o resultado deste exame nos levará à conclusão que as línguas faladas hoje não são produzidas pelo Espírito Santo.

Para verificar isto, basta comparar o que está acontecendo nos meios onde se falam estas línguas, com as instruções que o Espírito Santo deu para controlar o uso do verdadeiro dom de línguas. Aliás, não há comparação: há somente contrastes.

Em I Co 14 já notamos que o Espírito Santo deu certas instruções para controlar o uso das línguas (vs. 26-28). Conforme o que está registrado nestes versículos, os seguintes limites foram impostos:
  • Somente 3 irmãos poderiam fazer uso deste dom numa reunião (v. 27).
  • Estes teriam de usar o dom sucessivamente; dois não poderiam falar ao mesmo tempo (v. 27).
  • Se não houvesse interprete presente, ele deveria permanecer calado (vs. 27-28).
  • No contexto imediato, aprendemos que este dom não poderia ser usado por uma irmã, pois lemos: "As mulheres estejam caladas nas igrejas; porque lhes não é permitido falar" (v. 34).

Em nossos dias, onde aparece o suposto dom de línguas, estes regulamentos não são obedecidos. Muitas vezes diversas pessoas falam — mais do que três — e geralmente falam ao mesmo tempo. Muitas vezes acontece que não há interprete, e geralmente são mais mulheres do que homens que falam estas línguas.

Reconheço que o fato de desobedecer os regulamentos dados pelo Espírito, em si, não prova que estas manifestações não são do Espírito, mas há um outro detalhe que modifica completamente este aspecto. Os regulamentos dados pelo Espírito Santo indicam que o verdadeiro dom de línguas era controlado por aquele que o possuía. Ele tinha poder para falar, e poder para deixar de falar, conforme a ocasião. Se três irmãos já tinham falado, ou se um ainda estivesse falando, ou se não houvesse intérprete, ele não falaria; o dom estava sob o seu controle. O que acontece hoje, conforme o testemunho próprio daqueles que falam línguas, é que o "dom" controla a pessoa. Dizem que um poder vem sobre eles, e não podem ficar calados! Isto é sério! É seríssimo!

Um poder mais forte do que estas pessoas faz com que elas desobedeçam os mandamentos do Senhor (veja I Co 14:37); obrigando-as a desrespeitar os regulamentos dados pelo Espírito Santo. Este "poder" não pode ser do Espírito Santo. Este "poder" é contra o Espírito Santo, pois desrespeita a Sua Palavra e usurpa a Sua autoridade na igreja. Este "poder" é contra o Senhor, pois desobedece o Seu mandamento.

Que "poder" é este?


Há várias respostas a esta pergunta; consideremos agora algumas delas.

Uma crise emocional


Já notamos que estas manifestações de línguas nem sempre estão relacionadas à religião. Um médico psiquiatra, instrutor da Universidade de Medicina de Washington, nos Estados Unidos, escreveu o seguinte a respeito destas línguas: "Este fenômeno psicológico, é produzido facilmente, e é perfeitamente compreensível". Ele continuou explicando as causas, que podem ser diversas.

Podem ser produzidas por desordens cerebrais, que resultam de tumores ou derrames. Podem aparecer em casos esquizofrênicos, ou podem ser produzidas por uma renúncia passiva do controle do cérebro!

Neste último caso, o sistema nervoso que nós controlamos através do cérebro deixa de funcionar, e um outro sistema, sobre o qual não temos controle, entra em ação. Este segundo sistema nervoso não depende do nosso controle consciente; ele controla movimentos involuntários, como os da íris do olho; controla também os sucos gástricos, fazendo a nossa boca encher-se de água ao sentirmos o cheiro de alimentos; controla a nossa respiração, e continua a operar, mesmo quando dormimos ou desmaiamos.

Quando esta crise acontece, a pessoa começa a emitir sons incoerentes, que muitos pensam ser o dom de línguas. Analisando estes sons, porém, descobrimos que geralmente são a repetição de três ou quatro sílabas (as últimas palavras que a pessoa estivera falando antes de entrar neste estado estático). A ordem das sílabas será trocada, mas cada uma reaparece constantemente.

Como mencionamos acima, este estado pode ser causado por doença, mas muitas vezes é causado por uma renúncia passiva do controle do cérebro. Aquele que deseja esta manifestação, pensando ser ela de Deus, a busca de coração e se entrega totalmente a isto, chegando ao ponto de perder todo sentido da realidade, onde, em êxtase, ou sob auto-hipnotismo, profere sons ininteligíveis. Numa reunião onde todos buscam esta experiência, o ambiente altamente emocional ajuda a levar a esta crise.

Uma farsa deliberada


Em contraste com estas pessoas sinceras, porém enganadas, há outras que tentam, conscientemente, imitar este dom. Eles repetem sons que decoraram ao ouvir outros que diziam falar em línguas. Alguns até se oferecem para ensinar como receber este dom. Nestes casos, nada mais precisa ser dito, pois é óbvio que tal prática nada mais é do que uma trapaça. Não é um dom espiritual; é uma farsa deliberada.

Uma manifestação Satânica


Não podemos esquecer desta terrível possibilidade. Muitos têm uma idéia errada a respeito de Satanás e da sua maneira de agir. Aliás, é uma idéia que o próprio Satanás quer que tenham, pois deixa-o mais livre para levar avante o seu trabalho nefasto. Geralmente se pensa que Satanás está muito ocupado tentando levar o homem ao homicídio, ao roubo, à prostituição e a muitas coisas semelhantes. Esquecemos, muitas vezes, que estas coisas são obras da nossa própria natureza perversa (Gl 5:19-21). O Senhor Jesus disse: "Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias" (Mt 15:19). Satanás não precisa perder tempo levando o homem a estas coisas; o homem, deixado à vontade, fará tudo isto.

Satanás é muito astuto. Ele não atacou a moralidade de Eva e sim a sua fé na palavra de Deus. Ele se transforma em anjo de luz (II Co 11:14), e muitas vezes fala o que parece certo aos nossos olhos. Parecia que ele tinha tanto amor pelo Senhor Jesus quando disse: "Senhor, tem compaixão de Ti; de modo nenhum Te acontecerá isso" (Mt 16:22), mas o seu propósito oculto era o de desviar o Senhor do caminho de obediência à vontade de Seu Pai.

"O Espírito expressamente diz que nos últimos tempos apostatarão alguns da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores, e a doutrinas de demônios" (I Tm 4:1). Estes espíritos podem enganar alguns que estavam andando na fé, levando-os a apostatar, e para conseguir isso ele tem que apresentar algo que se parece com a verdadeira fé. Este versículo ainda fala de demônios que trazem doutrina! E é uma doutrina rígida e severa, obrigando os seus adeptos a sacrifícios que a Bíblia não exige dos cristãos. Eles exigem o celibato e proíbem certos alimentos, mas apesar da aparência de piedade, negam a eficácia dela. Assim muitas pessoas sinceras, que procuram o conhecimento de Deus, estão sendo redondamente enganadas por estes espíritos que parecem ter tanto amor e dedicação ao Senhor Jesus Cristo, mas que realmente, pela astúcia, conduzem milhares de pessoas devotas e zelosas ao inferno, enquanto pensam que estão servindo a Deus.

À luz destes fatos, podemos compreender melhor o aviso solene dado pelo Senhor Jesus: "Nem todo o que Me diz: Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de Meu Pai, que está nos céus. Muitos Me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em Teu nome? E em Teu nome não expulsamos demônios? E em Teu nome não fizemos muitas maravilhas? E então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci: apartai-vos de Mim, vós os que praticais a iniquidade" (Mt 7:21-23).

Satanás está enganando muitos, hoje, com palavras e atos que parecem honrar e servir ao Senhor Jesus Cristo. A prática de buscar o "batismo" — ou seja, uma manifestação de línguas, é uma das armas mais usadas por ele, pois a pessoa chega a renunciar o controle da sua mente, caindo em estado de êxtase; neste estado, a porta está aberta para a entrada de espíritos enganadores e as doutrinas de demônios.

Resumo


O que está acontecendo hoje, é que muitas pessoas sinceras que buscam maior conhecimento de Deus são levadas, por emoções fortíssimas, a renunciar o controle da sua mente, e consequentemente, caem num estado de êxtase, no qual começam a emitir sons incoerentes. Isto é o que muitos chamam de "dom de línguas". Juntamente com estes sons, o corpo inteiro é tomado por uma sensação de bem-estar e felicidade que convence tais pessoas de que esta experiência é, de fato, do Espírito Santo.

Tendo renunciado o controle da mente, muitas destas pessoas caem nas garras de espíritos enganadores, quando, em vez de emitirem sons incoerentes, podem falar outros idiomas que nunca aprenderam. Em alguns casos que foram gravados e analisados, estas declarações consistiam em palavras obscenas e blasfemas.

Conclusão


Apesar da sinceridade indiscutível de alguns que estão envolvidos nos movimentos Pentecostal e Carismático, as manifestações de línguas, bem como as curas e outras coisas deste gênero que aparecem no seu meio, não são do Espírito Santo. Estas manifestações, quando não são meramente emocionais, são de espíritos enganadores.

Uma comparação honesta de tudo que a Bíblia fala sobre estes dons, e tudo que está acontecendo nestes movimentos, só pode levar-nos à conclusão de que as manifestações de hoje nada tem a ver com os dons do Espírito Santo. O ensino do NT está confirmado; estes dons, dados como sinais, cessaram; não existem hoje.

Cap. 7 — Os dons permanentes (i)


Já consideramos dois grupos de dons — os fundamentais e os dados como sinais. Notamos que todos estes dons já cessaram. Mas ainda há um terceiro grupo, que para nós é o mais importante, porque trata de dons que ainda estão conosco, pois são necessários para a igreja até a vinda do Senhor Jesus.

Sem dons espirituais, seria impossível fazer uma obra espiritual. Um homem natural pode ensinar e pode fazer discursos, mas nunca poderá fazer uma obra espiritual, nem tão pouco agradar a Deus (veja Rm 8:8; I Co 2:14). Portanto, se nós queremos agradar a Deus e fazer algo aqui que Lhe dê prazer, precisamos de dons espirituais. E precisamos saber quais os dons que possuímos e como devemos usá-los.

Antes de examinar os dons permanentes mencionados no NT, quero tornar a salientar que cada cristão tem pelo menos um dom. Não há nenhum membro do corpo de Cristo que não tenha uma função necessária.

Meu irmão, minha irmã, isto lhe confere uma dignidade espiritual que deve fazer-lhe forte e inabalável. O seu serviço, por mais humilde que pareça aos olhos dos irmãos, é importante aos olhos do Senhor que lhe conferiu o dom. O seu serviço é necessário para a realização dos propósitos do Senhor.

Este dom, porém, lhe traz muita responsabilidade. Se o Senhor lhe confiou um dom, ele vai pedir contas do uso que você fez dele.

Que todos nós saibamos usar os dons que temos, na dignidade desta vocação sagrada, cônscios da grande responsabilidade que agora é nossa.

I Coríntios cap. 12


Considerando as listas de dons na ordem cronológica, encontramos a primeira em I Coríntios cap. 12. A maioria dos dons mencionados aqui já cessaram; eram fundamentais ou sinais. Há, porém, alguns que ainda continuam em uso, e vamos considerá-los um por um.

Palavra da sabedoria


"Porque a um pelo Espírito é dada a palavra da sabedoria" (I Co 12:8). Observe bem que não se trata do dom da sabedoria, mas sim da palavra da sabedoria. A palavra é o meio usado para comunicar os nossos pensamentos ou desejos aos outros. Este dom é a capacidade dada por Deus para comunicar sabedoria aos outros. Falaremos mais sobre este dom ao considerarmos o próximo, pois são dois dons semelhantes.

Palavra do conhecimento


"E a outro, pelo mesmo Espírito, a palavra do conhecimento" (I Co 12:8 — ARA) Este dom é semelhante ao anterior, pois não é simplesmente o dom do conhecimento, e sim, da palavra do conhecimento. É a capacidade que Deus dá de transmitir conhecimento aos outros. A palavra traduzida "ciência", na ARC, quer dizer conhecimento.

A distinção entre sabedoria e conhecimento é importante. O conhecimento, em si, pode ser uma coisa boa ou má, dependendo do uso que fazemos dele. A sabedoria é essencial para que possamos usar o conhecimento que temos para fins proveitosos. Até mesmo conhecimento bíblico pode ser perigoso, se não houver sabedoria espiritual para usar este conhecimento para a glória de Deus, na edificação da Sua igreja.

Note a ordem em que se encontram estes dois dons. Primeiro, a palavra da sabedoria, e depois a palavra do conhecimento.

Ambos estes dons são necessários àquele que vai ensinar a igreja de Deus. Mais adiante vamos considerar o dom de ensinador, portanto, agora será suficiente dizer que estes dois talvez sejam dois aspectos do dom mais amplo — o de ensinar — ou talvez o ensinador seja aquele que tem capacidade de ensinar a igreja em reuniões públicas, ao passo que aquele que tem a palavra da sabedoria ou a palavra do conhecimento, seja aquele irmão que sabe dar uma palavra oportuna, em particular, transmitindo a sabedoria ou conhecimento necessários para a ocasião.

Muitos não concordam com aquilo que acabamos de afirmar, isto é, que estes dois dons são permanentes. Acreditam que o dom da "palavra do conhecimento (ciência)" é o que temos no cap. 13:8: "havendo ciência, desaparecerá". Creio, porém, que a palavra "outro" (que vamos considerar no parágrafo seguinte) claramente indica que são dons de gêneros diferentes. Note bem que o Espírito não fala em 12:8 de conhecimento (ou ciência), mas sim da palavra do conhecimento (ou ciência) — não da ciência em si, como no cap. 13, mas da capacidade de transmitir o conhecimento — um dom que cada ensinador precisa ter.

"Outro"


Devemos observar a frequente repetição da palavra "outro", nos vs. 8 a 10 de I Coríntios 12. Ocorre 8 vezes em 3 versículos. O que não é aparente, porém, na nossa versão portuguesa, é que a palavra "outro" traduz duas palavras gregas. Seis vezes encontramos a palavra grega allos, que significa outro do mesmo gênero, e duas vezes encontramos a palavra grega heteros, que significa outro de gênero diferente.

As duas ocorrências de heteros, portanto dividem a lista de dons em três partes: a primeira ocorrência neste parágrafo está no começo do v. 9, e a segunda ocorrência aparece depois da menção do dom de discernir os espíritos (v. 10). Portanto, o primeiro grupo tem dois dons do mesmo tipo — ou seja, a palavra da sabedoria e a palavra da ciência. Depois temos um grupo de cinco dons de natureza diferente, isto é, os de fé, de curar, de milagres, de profecia e de discernir os espíritos. O terceiro grupo, línguas e interpretação de línguas, é de natureza diferente, pois é separado do segundo grupo pela palavra heteros. Portanto, podemos dividir estes nove dons em três grupos, como segue:
  • Dois dons do mesmo tipo — v. 8;
  • Cinco dons de gênero diferente — vs. 9-10a;
  • Dois dons diferentes — v. 10b.

Notando estas divisões, podemos ver:
  • Dois dons permanentes — v. 8;
  • Cinco dons temporários para judeus e gentios — vs. 9-10a;
  • Dois dons temporários, para os judeus — v. 10b.

Doutores (ensinadores)


"E a uns pôs Deus na igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro doutores …" (I Co 12:28).

Já consideramos os dois primeiros dons neste versículo — apóstolos e profetas — no capítulo sobre os dons fundamentais; agora temos outro dom permanente — o de doutores. A palavra traduzida "doutores" significa ensinadores. Este dom é mencionado várias vezes no NT. Na lista de dons em Romanos 12 lemos do dom de ensinar, e na de Efésios 4, lemos outra vez de doutores (ensinadores).

Vemos dois aspectos do dom nestas referências. O dom de ensinar (Rm 12:7) é a capacidade que Deus dá a alguns dos Seus servos para ensinar aos outros; o dom de ensinador é aquela mesma pessoa dada como dom à igreja.

Temos um exemplo deste dom em Antioquia. "E na igreja que estava em Antioquia havia alguns profetas e doutores" (At 13:1). Este versículo nos ensina que o dom de doutor é distinto do de profeta. A lista de I Coríntios 12, que estamos considerando, confirma isto, pois os dois dons são mencionados separadamente (v. 28). Veja também Rm 12:6 e 7, e Ef 4:11.

A diferença entre o profeta e o ensinador está na maneira de receber a mensagem. O profeta recebia uma revelação diretamente de Deus e a transmitia ao povo. O ensinador recebe a sua mensagem, igualmente de Deus, mas através do estudo da revelação escrita, a Bíblia. Na entrega da mensagem, não há diferença. Aquele que transmitia a palavra do Senhor baseado na revelação que Deus lhe dera, ou por visão ou por sonho ou por outro meio excepcional, era profeta; aquele que transmite a palavra de Deus baseado no estudo da palavra escrita, é ensinador. O ensinador de hoje ocupa o lugar do profeta do passado. Vemos uma confirmação disto nas palavras de Pedro: "Houve entre o povo falsos profetas, como entre vós haverá também falsos doutores" (II Pe 2:1).

Gostaria de voltar ao VT para buscar uma ilustração, que nos mostra o que é um verdadeiro ensinador, e como ele trabalha. Refiro-me a Esdras. "Porque Esdras tinha disposto o coração para buscar a lei do Senhor e para a cumprir e para ensinar em Israel os seus estatutos e os seus direitos" (Ed 7:10). Note a decisão dele. Ele preparou o seu coração. Veja o que ele resolveu fazer, notando especialmente a ordem:
  • Buscar a lei do Senhor. Ele seria, antes de tudo, um estudante da Palavra de Deus; compare Sl 1:1-3.
  • Cumprir a lei do Senhor. Além de estudante da Palavra, ele seria praticante da mesma. Somente aquele que pratica a Palavra de Deus é que tem o direito moral e espiritual de ensiná-la aos outros.
  • Ensinar os seus estatutos e os seus direitos.

Que haja entre nós aqueles que buscam a Palavra de Deus de todo o seu coração, para estudá-la e para praticar fielmente o que aprendem, custe o que custar. Então haverá entre nós ensinadores dados pelo Senhor como dons à Sua igreja.

Socorros


"Depois milagres, depois dons de curar, socorros …" (I Co 12:28). Depois de falar dos ensinadores, Paulo cita dois dons dados como sinais, que já consideramos. Em seguida, encontramos o dom de socorros.

A palavra traduzida "socorros" significa auxílios — um que ajuda. O verbo correspondente é usado em Lucas 1:54, onde lemos que o Senhor auxiliou a Israel. Paulo diz que deixou um exemplo aos anciãos da igreja em Éfeso, mostrando-lhes como deveriam auxiliar os enfermos (At 20:35).

Este dom pode se manifestar de muitas formas na igreja, dependendo da necessidade e da hora. É aquela disposição e aptidão para ajudar. Em contraste, há muitos cristãos que querem liderar — estão dispostos para qualquer trabalho, por mais árduo que seja, contanto que eles tenham o papel principal. Não querem ajudar; querem que outros os ajudem.

Este dom reflete a humildade de espírito que caracterizou o nosso Senhor; requer um amor sincero e verdadeiro que está disposto a trabalhar despercebido, no lugar que os homens consideram inferior.

É um dom importantíssimo. Se entendermos o seu valor, talvez poderemos compreender por que o Senhor disse que há primeiros que serão derradeiros, e muitos derradeiros que serão primeiros (veja Mt 19:30).

Governos


"… governos, variedade de línguas" (I Co 12:28). Completando a lista de I Coríntios cap. 12, temos este dom de governos, e o de variedade de línguas. Este último, já consideramos.

Esta é a única ocorrência no NT da palavra traduzida "governos", mas a palavra correspondente, que indica a pessoa que governa, aparece duas vezes, em At 27:11 e Ap 18:17. Em ambos os casos refere-se àquele que dirigia navios.

Isto nos ajuda a entender o que o Espírito Santo está dizendo aqui. Fala daquele dom concedido a alguns, capacitando-os a guiar a igreja de Deus. Um homem carnal pode mandar, mas Deus não quer que haja mandões na Sua igreja. Ele diz que o presbítero deve ter o cuidado do rebanho de Deus, "não como tendo domínio sobre a herança de Deus, mas servindo de exemplo ao rebanho" (I Pe 5:3). Ele deve seguir o exemplo do Senhor, o Bom Pastor, que disse: "As Minhas ovelhas ouvem a Minha voz, e Eu conheço-as e elas Me seguem" (Jo 10:27). O ancião não manda na igreja; ele guia. Cada ancião precisa deste dom de governos, para saber guiar o povo de Deus nos caminhos que agradam ao Senhor, bem como livrá-lo dos perigos e laços do inimigo.

Cap. 8 — Os dons permanentes (ii)


Passando agora para a lista de dons que encontramos em Romanos e em Efésios, verificamos que vários deles ainda estão em operação.

Romanos cap. 12


O primeiro mencionado nesta lista é o de profecia, que já foi considerado no capítulo sobre os dons fundamentais. Em seguida, lemos do dom de

Ministério.


"Se é ministério, seja em ministrar" (Rm 12:7). A tradução, não só em relação a este dom, mas nesta lista toda, parece um pouco obscura, devido à ausência, no texto original, de um verbo que descreve como cada dom deve ser usado. Por exemplo, o versículo 7 diz, literalmente: "ou ministério, no ministério: ou aquele que ensina, no ensino". A ausência do verbo em cada caso, à primeira vista, parece obscurecer o sentido, mas a exortação não é obscura. Cada um deve aplicar-se ao uso consciente do dom que Deus lhe concedeu. Se é ministério, seja zeloso e aplicado em ministrar.

A palavra traduzida "ministério" (diakonia) significa serviço. Um dicionário grego diz que diakonia significa especialmente o serviço daqueles que executam as ordens de outros. Este dom pode se apresentar de muitas formas, pois há muitas maneiras de servir. Sem dúvida alguma, o exemplo supremo é o nosso Senhor Jesus Cristo. Ele mesmo disse: "O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir" (Mt 20:28). Na noite em que foi traído Ele deixou um exemplo inesquecível, quando Ele mesmo, o Senhor e Mestre, tomou uma toalha e cingiu-se, deitou água numa bacia e lavou os pés dos discípulos (Jo 13:4-11). Em outra ocasião, Ele ensinou os discípulos: "Os reis dos gentios dominam sobre eles, e os que tem autoridade sobre eles são chamados benfeitores. Mas não sereis vós assim; antes o maior entre vós seja como o menor; e quem governa como quem serve" (Lc 22:25-26).

O uso da palavra diakonia, no NT, mostra quão variadas são as formas de serviço. Os apóstolos, quando sugeriram a escolha de sete homens para cuidar da distribuição diária de alimentos, disseram: "Nós perseveraremos na oração e no ministério (diakonia) da palavra" (At 6:4). O ministério, neste caso, era o trabalho de ensinar a palavra de Deus. A mesma palavra, diakonia, é usada no mesmo contexto para indicar o serviço dos sete homens escolhidos para cuidar da distribuição diária às viúvas (At 6:1). Neste caso, o ministério era um trabalho que seria considerado material, mas era uma parte essencial do trabalho daquela igreja.

Aquele que tem o dom de ministério, isto é, de serviço, deve usá-lo com todo o zelo, servindo aos santos, quer seja um serviço no sentido de propagar a Palavra, ou um serviço na arrumação do salão de reuniões. Um grande incentivo para todos que servem é que aquilo que fazemos para os irmãos, o Senhor considera como serviço feito para Ele (veja Mt 25:34-40).

Exortar


"Ou o que exorta, use esse dom em exortar" (Rm 12:8). O significado literal da palavra traduzida "exortar" é falar a alguém. O NT usa este verbo no sentido de incentivar ou encorajar alguém a seguir uma determinada maneira de conduta; às vezes é usada no sentido de confortar ou consolar.

E como este dom é necessário!

Nos dias atuais há tantas lutas, tantos obstáculos ao progresso do Evangelho, que não é de se admirar que muitos cristãos desanimam. No mundo há tanta indiferença; ninguém quer ouvir a Palavra. São dias de apatia, de insensibilidade. Diante desta situação, às vezes o cristão também perde o ânimo. Chega a pensar que não adianta lutar no Evangelho. Ele se acomoda.

Nestas horas, torna-se tão precioso o dom de exortar. Quão maravilhoso quando há um irmão que pode chegar-se àquele que está desanimado, trazendo-lhe alento, renovando as suas forças, de tal forma que ele se levanta mais uma vez disposto a trabalhar! O valor deste dom é incalculável.

Há tanta coisa para entristecer o cristão nestes dias de apostasia. O mundo entra na igreja; o amor de muitos esfria; há falhas; há fracassos. E o cristão é invadido por uma tristeza que lhe tira a força que antes o impulsionava no serviço do Senhor. Há problemas pessoais, às vezes na família, às vezes no emprego, e muitos cristãos andam oprimidos e sobrecarregados. Torna-se evidente o valor do dom de exortar, que traz ao triste uma palavra de conforto e consolo. Infelizmente, muitos pensam que exortar é repreender; quão poucos manifestam este dom de incentivar e consolar.

Repartir


"O que reparte, faça-o com liberalidade" (Rm 12:8). Para entender o que é este dom, precisamos entender o que significa a palavra traduzida "repartir". A ARA a traduz pela palavra "contribuir". A melhor maneira de entender o seu significado é ver o seu uso no NT, e neste caso, temos mais quatro ocorrências dela.

João Batista disse: "Quem tiver duas túnicas, reparta com o que não tem" (Lc 3:11). Mais tarde, o apóstolo Paulo escreveu à igreja em Éfeso: "Aquele que furtava, não furte mais; antes trabalhe, fazendo com as mãos o que é bom, para que tenha que repartir com o que tiver necessidade" (Ef 4:28). Nestes dois casos, a Bíblia está falando de repartir coisas materiais.

Há mais dois casos, porém, que apresentam um aspecto diferente. Escrevendo aos Romanos, Paulo disse: "Desejo ver-vos para vos comunicar [repartir] algum dom espiritual" (Rm 1:11). Mais tarde, escrevendo aos Tessalonicenses, ele disse: "De boa vontade quiséramos comunicar-vos [repartir], não somente o Evangelho de Deus, mas ainda as nossas próprias almas" (I Ts 2:8). Nestes dois casos, o apóstolo usa a palavra no sentido de dar algo espiritual.

O dom de repartir, ou comunicar, é aquela capacidade de dar aos outros, por amor do Senhor Jesus. Não podemos limitar isto a repartir coisas materiais; o contexto leva a crer que a ênfase está na parte espiritual.

Há tantas maneiras de repartir. Como observamos no caso de outros dons, este também se manifesta de várias formas. Podemos repartir, como Paulo disse em Tessalônica, transmitindo o Evangelho aos incrédulos; e não só o Evangelho, mas dando-nos a nós mesmos num trabalho abnegado por amor do Senhor. Ou podemos repartir, como Paulo queria fazer em Roma, dando aos cristãos algo para estimulá-los na carreira espiritual. Podemos também, como Paulo aconselhou os efésios, repartir, ajudando a obra do Senhor por meios materiais.

Mas como devemos usar este dom?

Tanto a ARC, como a ARA, dizem: "Com liberalidade" (Rm 12:8). Creio que a tradução é infeliz. A palavra usada no texto original ocorre oito vezes no NT. É usada, por exemplo, em Ef 6:5 e em Cl 3:22, para descrever a singeleza de coração com a qual os cristãos devem servir aos seus patrões. Um dicionário de palavras gregas diz que significa singeleza, simplicidade, sinceridade, honestidade mental.

No uso deste dom de repartir, portanto, Deus requer que seja feito em singeleza de coração, visando unicamente a glória de Deus e o bem-estar do Seu povo. Querer contribuir algo, quer no sentido espiritual, quer no sentido material, visando nosso próprio engrandecimento, ou servindo um fim partidário, não é aceitável a Deus. Aquele que reparte, faça-o com singeleza de coração.

Presidir


"O que preside, com cuidado" (Rm 12:8). Creio que este dom é o mesmo de "governos" que vimos na lista de I Coríntios 12, e que já foi considerado.

Exercer misericórdia


"O que exercita misericórdia, com alegria" (Rm 12:8). É o último desta lista, mas não é o menor!

Este dom poderá ser usado de duas maneiras:
  • Aliviando os necessitados
  • Perdoando os faltosos

Em ambas as formas, é muito necessário, mas o importante é que seja usado com alegria. É possível aliviar a necessidade de outros com um orgulho que fere o necessitado mais do que o próprio aperto pelo qual ele passa, dando com uma mão aquilo que ele necessita, enquanto tira, com a outra, a sua dignidade. É possível perdoar o faltoso, mostrando uma atitude de crítica e desprezo, que o aniquila. O verdadeiro uso deste dom é com alegria.

Efésios cap. 4


Examinando a lista de Efésios 4, verificamos que os primeiros dois dons mencionados aqui já foram considerados no capítulo sobre dons fundamentais. O primeiro que ainda não consideramos nesta lista é o de

Evangelistas.


"E Ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas" (Ef 4:11).

O evangelista é aquele a quem o Senhor deu a capacidade especial de anunciar o Evangelho. Digo capacidade especial, pois é o privilégio, para não dizer o dever, de todo cristão pregar o Evangelho. No entanto, Deus tem capacitado alguns, de uma maneira especial, para fazer este trabalho.

O evangelista trabalha no mundo, indo aonde for mandado pelo Senhor em busca das almas perdidas. Vemos um exemplo deste dom em Filipe — não o apóstolo Filipe, mas aquele que é chamado de Filipe o evangelista, que residia em Cesaréia (At 21:8).

Este Filipe teve que abandonar Jerusalém por ocasião da perseguição que veio com a morte de Estevão. Chegando em Samaria, "lhes pregava a Cristo" (At 8:5). Como resultado das suas pregações naquela cidade, muitas pessoas se converteram e foram batizadas (At 8:12). Enquanto Filipe ainda estava envolvido naquele trabalho animador, o anjo do Senhor lhe falou, dizendo: "Levanta-te, e vai para a banda do sul, ao caminho que desce de Jerusalém para Gaza" (At 8:26). Apesar dele ter escapado da perseguição em Jerusalém quando foi para Samaria, ele não hesitou em voltar àquela região perigosa, no sul. Obedeceu ao Senhor, voltando para o sul, e lá encontrou com o eunuco da Etiópia, e "lhe anunciou a Jesus" (At 8:35). O eunuco creu e foi batizado, e logo o Espírito do Senhor arrebatou a Filipe, e este foi achado em Azoto. "Indo passando, anunciava o Evangelho em todas as cidades, até que chegou a Cesaréia" (At 8:40).

Este exemplo nos mostra o verdadeiro evangelista, sempre levando o evangelho aos perdidos, quer seja em reuniões grandes em Samaria, ou em uma conversa particular com um homem enquanto ele viajava. Ele não se prendeu a um lugar, mas indo passando, anunciava o Evangelho em todas as cidades. Através deste dom, a igreja cresce e se reproduz.

Pastores


"… e outros para pastores e doutores" (Ef 4:11). O trabalho do pastor começa onde termina o trabalho do evangelista. Este vai ao mundo, levando as boas novas do Evangelho, trazendo almas perdidas a Cristo. Então começa o trabalho daquele que pastoreia os cordeiros e as ovelhas.

O Senhor Jesus é o Bom Pastor que dá a Sua vida pelas ovelhas (Jo 10:11). Ele é o Grande Pastor que ressuscitou por nós (Hb 13:20). Ele é o Sumo Pastor que virá nos buscar (I Pe 5:4). Aquele que tem o dom de pastorear há de mostrar, em alguma medida, as características do Bom Pastor, juntamente com as do Grande Pastor, e as do Sumo Pastor. Em outras palavras, ele vai mostrar um amor sacrificial, dando-se a si mesmo em benefício das ovelhas do Senhor; ele vai viver para cuidar delas; ele procurará sempre a felicidade e o bem-estar do rebanho.

No VT lemos de um pastor insensato que não fez a vontade de Deus, e isto mostra, do ponto de vista negativo, como é o trabalho do pastor. Refiro-me a Zc 11:16: "Eis que suscitarei um pastor na terra, o qual não visitará as desgarradas, nem procurará as espalhadas, nem curará a quebrada, nem apascentará a sã". O que este não faz é exatamente o que o pastor faz.

O dom de pastor, portanto, é facilmente reconhecido. É aquela pessoa que o Senhor dá à igreja, que:
  • Visita os que estão desgarrados. No caso de haver irmãos ou um irmão em perigo espiritual, devido à doutrinas falsas ou outras coisas, aquele que é um verdadeiro pastor os visita. Ele não espera que as ovelhas o procurem; ele toma a iniciativa; ele vai visitar. Muitas vezes, ele vê o perigo mesmo antes daquele que está em perigo. A finalidade destas visitas é livrar aquele irmão ou irmã. Ele ama as ovelhas, e está pronto a dar-se a si mesmo por elas.
  • Busca os espalhados. Quando uma ovelha se desgarrou, caindo no laço do inimigo, apesar das visitas que procuravam livrá-la, o pastor não a abandona; ele busca. Outra vez vemos o seu amor produzindo ação, levando-o a tomar a iniciativa e sair em busca da ovelha. A parábola do pastor que saiu para buscar a ovelha perdida (Lc 15:4-7) é uma boa ilustração do trabalho dos pastores na igreja local.
  • Sara os quebrados. Ele percebe quando a saúde espiritual de algum membro da igreja está abalada, e sabe qual o remédio a aplicar. Vemos o seu cuidado e interesse, bem como o seu conhecimento.
  • Apascenta os sãos. Mesmo entre aqueles que mostram saúde espiritual, o pastor trabalha incansavelmente, apascentando-os. Isto implica em fornecer-lhes alimento adequado — um ministério da Palavra de Deus dado por ele mesmo, ou por outros convidados para isto.

Cap. 9 — O propósito dos dons


Deus nunca faz algo que não seja necessário. Cada coisa que Ele fez, cada ser que Ele criou, tem uma razão de ser e tem uma função útil para cumprir. Podemos ter certeza que os dons espirituais que Ele tem distribuído não são supérfluos; têm um propósito importante.

Se descobrirmos este propósito, compreenderemos melhor o que Deus quer de nós, e saberemos como usar os dons que possuímos.

Podemos facilmente saber por que Deus deu estes dons. O capítulo que mais informação nos dá sobre este assunto é Efésios cap. 4. Paulo escreveu que o Senhor Jesus subiu ao alto, levou cativo o cativeiro, e deu dons aos homens (Ef 4:8). Em seguida, ele mencionou cinco dons, dizendo: "Ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores" (Ef 4:11).

Mas ele não apenas enumera alguns dons; ele prossegue, explicando porque o Senhor os deu: "Querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo" (Ef 4:12).

Considerando este versículo, aprendemos que Deus deu estes dons "querendo o aperfeiçoamento dos santos". Esta é a única vez que a palavra "aperfeiçoamento" aparece no NT, porém o verbo correspondente é usado 13 vezes. Mateus o usou quando disse que Tiago e João estavam consertando as redes (Mt 4:21). O verbo traduzido "consertando" é da mesma raiz que o substantivo traduzido "aperfeiçoamento" em Efésios 4. O mesmo verbo é traduzido "encaminhar" nas palavras de Paulo aos Gálatas: "Se algum homem chegar a ser surpreendido nalguma ofensa, vós que sois espirituais, encaminhai o tal" (Gl 6:1).

Nem sempre, porém, este verbo tem o sentido de consertar ou restaurar; foi traduzido pela palavra "preparar" na carta aos Hebreus, na seguinte citação: "Sacrifício e oferta não quiseste, mas corpo me preparaste" (Hb 10:5). Isto nos ajuda a entender por que Deus deu estes dons. Ele quer o aperfeiçoamento dos santos — isto é, a sua preparação para o Seu serviço, ou a sua recuperação, caso seja necessário.

A segunda parte deste versículo (Ef 4:12), mostra o alvo desta preparação ou restauração; é para a obra do ministério. Deus quer preparar cada um que crê para servir o Seu propósito, e o meio que Ele usa para preparar os salvos é pelos dons espirituais. Se algum servo de Deus tem falhado o Senhor quer restaurá-lo, e para isto Ele usa, outra vez, os dons. A palavra "ministério", simplesmente significa serviço.

Vemos então a importância dos dons. Deus os usa para preparar cada um de nós para que possamos servi-lO. Neste serviço teremos de usar dons espirituais e, se tropeçarmos, o Senhor ainda usará dons espirituais para restaurar-nos outra vez ao ponto de podermos usar os dons que Ele nos concedeu.

A última parte deste versículo (Ef 4:12) mostra o alvo de todo serviço; é para a edificação do corpo de Cristo. Os dons foram dados a fim de que o corpo de Cristo fosse edificado. Em resumo: o que é dado para os santos deve ser usado pelos santos para a edificação da igreja. No mesmo capítulo encontramos isto novamente, com ainda mais clareza: "… todo o corpo, bem ajustado e ligado, pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte, faz o aumento do corpo para sua edificação em amor" (Ef 4:16).

Tudo isto é solene e deve levar-nos a examinar as nossas atividades naquilo que pensamos ser a obra do Senhor. Devemos verificar qual é o alvo dessas atividades. O propósito de Deus em dar dons é que esses sejam usados visando a edificação do corpo de Cristo. Estamos usando-os para este fim? Quantas atividades que não edificam são permitidas entre os cristãos! Atividades que agradam a carne, ou alegram a alma, mas não edificam a igreja. Há trabalhos feitos pela igreja, em nome do Senhor, que não são a obra do Senhor. Se o fim de qualquer obra não é a edificação da igreja, tal trabalho não é o que o Senhor quer.

Diante desta declaração do propósito de Deus em fornecer dons, não temos o direito de participar de atividade alguma que não vai edificar a igreja.

O ensino dado aos coríntios sobre o uso dos dons confirma isto. Paulo disse: "A manifestação do Espírito é dada a cada um para o que for útil" (I Co 12:7). A ARA traduz esta última frase: "visando a um fim proveitoso". Esse fim proveitoso que Deus tem em vista é a edificação da igreja. Veja como Ele destaca a necessidade de edificação neste mesmo contexto (I Co 14:3, 5, 12, etc.). Depois Ele exorta: "Faça-se tudo para edificação" (I Co 14:26).

Voltando para Efésios 4, vemos como Paulo continua desenvolvendo essa revelação do propósito de Deus em conceder dons aos santos. Já notamos no v. 12 que Deus quer, através do uso desses dons, preparar-nos para o serviço, visando a edificação da igreja. Mas agora, no v. 13, vemos até que ponto Deus quer que sejamos edificados: "Até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo" (Ef 4:13).

Esta edificação deve conduzir-nos à unidade da fé. O verbo traduzido "cheguemos" é usado várias vezes em Atos dos Apóstolos de viajantes chegando a um determinado lugar na sua viagem. O seu uso aqui em Ef 4:13 indica que nós não devemos ficar estacionados. Deus quer que cresçamos, sempre avançando em direção à unidade da fé. A fé é aquele conjunto de doutrinas que Deus tem revelado na Sua palavra, confiando-a aos santos. Todos os santos, provenientes de lugares, culturas e ambientes diferentes, deixam a sua ignorância e seus costumes antigos, crescendo no conhecimento dos propósitos de Deus. Apesar das diferenças culturais e tradicionais, todos falam e fazem uma mesma coisa. O meio que Deus usa para levar os cristãos à unidade da fé é o exercício dos dons espirituais.

Paulo prossegue, porém, apresentando este alvo em outras palavras, dizendo: "Até que todos cheguemos … ao conhecimento do Filho de Deus". O que Deus tem em vista no uso dos dons é muito mais do que a nossa instrução. Ele não pretende, simplesmente, encher a nossa cabeça de conhecimento das doutrinas da Bíblia. Ele quer, através do conhecimento da Sua palavra, que venhamos a conhecer o Seu Filho. A palavra escrita revela a Palavra Eterna. Ela não apresenta apenas dogmas; apresenta uma Pessoa. Ser cristão não é abraçar as doutrinas do cristianismo; é conhecer uma Pessoa, o Senhor Jesus Cristo.

A palavra traduzida "conhecimento" é mais forte do que isto; significa pleno conhecimento. Pelo ministério dos dons, Deus quer levar-nos a conhecer o Seu Filho, não só como Salvador da nossa alma, mas como Senhor da nossa vida, e mais ainda, como Aquele que satisfaz plenamente todos os anseios do nosso ser.

E quanto mais O conhecemos, mais diremos como Paulo: "Tenho também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor" (Fp 3:8). Veja também o v. 10.

Neste mesmo versículo (Ef 4:13) vemos ainda um terceiro aspecto deste alvo que Deus tem em vista. "Até que todos cheguemos … a varão perfeito". Para entendermos esta expressão, creio que devemos voltar ao segundo capítulo desta carta. Falando do Senhor Jesus, Paulo disse: "… de ambos os povos fez um; e derribando a parede de separação que estava no meio, na Sua carne desfez a inimizade, isto é, a lei dos mandamentos, que consistia em ordenanças, para criar em Si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz" (Ef 2:14-15). A igreja, nestes versículos, é apresentada como um novo homem. Agora, falando dos dons no cap. 4, Paulo volta a usar esta figura, e diz que Deus quer que este novo homem seja um homem perfeito, isto é, um homem maduro e responsável. Ele ainda diz que chegar a varão perfeito é chegar à medida da estatura completa de Cristo!

Esta maturidade que Deus deseja para a igreja é apresentada no versículo seguinte, do ponto de vista negativo. Ele quer que "não sejamos mais meninos inconstantes, levados em roda por todo o vento de doutrina, pelo engano dos homens que com astúcia enganam fraudulosamente" (Ef 4:14).

Deus forneceu dons à Sua igreja, para que esta não fosse uma igreja infantil, facilmente atraída por qualquer novidade. À figura da criança inconstante, Deus agora acrescenta a de um barquinho sendo açoitado por ventos fortes num mar tempestuoso, empurrado pelo temporal, ora para cá, ora para lá.

E o vento que sopra, ameaçando desviar-nos da rota certa, é a doutrina falsa! As palavras que Paulo usa no fim deste versículo (v. 14) mostram, de uma forma impressionante, as forças terríveis contra as quais temos de batalhar: "Pelo engano dos homens que com astúcia enganam fraudulosamente". Note os dois substantivos, "engano" e "astúcia", aos quais Deus ainda acrescenta o verbo "enganar", reforçado pelo advérbio "fraudulosamente".

A palavra traduzida "engano" é kubia no grego, literalmente "um dado", e, portanto, indica astúcia e malandragem. Indica uma tentativa consciente e premeditada de enganar, tendo em vista a vantagem própria. Ele acrescenta que estes enganadores agem com astúcia; é a tradução da palavra grega panourgia, que foi usada para descrever a ação daqueles que tentaram o Senhor, perguntando: "É-nos lícito dar tributo a César ou não". O Senhor, entendendo a sua astúcia, disse-lhes: "Por que me tentais?" (Lc 20:22-23). Paulo também usou esta palavra quando disse aos coríntios: "Temo que, assim como a serpente enganou Eva com a sua astúcia, assim também sejam de alguma sorte corrompidos os vossos sentidos, e se apartem da simplicidade que há em Cristo" (II Co 11:3).

Estes exemplos nos deixam ver a maldade que se opõe aos propósitos de Deus. Aqueles sacerdotes e escribas planejaram bem o seu ataque, procurando meios de pegar o Senhor com a sua astúcia. Muito antes deles, aquele que os incitou havia agido com a mesma astúcia no Jardim, enganando Eva. E conforme vemos em II Coríntios cap. 11, ele ainda planeja, com astúcia, meios de corromper os sentidos dos cristãos, assim apartando-os da simplicidade que há em Cristo, levando-os a vagar no erro doutrinário.

Os dons foram dados para combater estas artimanhas do diabo, recuperando aqueles que tenham caído, e preparando todos para o serviço que edifica, para que todos sejam um varão perfeito, isto é, maduro e forte.

Conclusão


O Senhor tem dado dons a cada um de nós, preparando-nos para servi-lO. O uso diligente destes dons vai resultar no nosso próprio desenvolvimento e aperfeiçoamento progressivo. Mas o benefício não será somente nosso, pois o uso dos dons resultará na edificação e desenvolvimento do corpo de Cristo.

Que possamos permitir que os propósitos de Deus se cumpram em nós.

Cap. 10 — Cada cristão tem um dom


No segundo capítulo deste livrete notamos a repetição da frase "a cada um", em todos os lugares onde encontramos uma lista de dons no NT. Quero salientar, mais uma vez, esta verdade. Nenhum membro do corpo de Cristo é supérfluo, e sendo assim, não há nenhum membro deste corpo que não tenha uma função. O Deus que deu dons a cada um, nos diz que os deu visando um fim proveitoso (I Co 12:7). Ele deu os dons para serem usados.

Devemos desenvolver este pensamento. O fato de ter recebido um dom de Deus quer dizer não somente que você tem uma função no corpo de Cristo, como também que Deus tem um plano para a sua vida. Deus lhe deu um dom para capacitá-lo a fazer a obra específica que constitui o plano de Deus para a sua vida.

Isto nos leva a uma conclusão clara e solene. Deus, que tanta coisa nos deu, agora quer algo de nós! Há uma obra importantíssima que precisa ser feita. Não há dúvida, Deus poderia fazer esta obra sozinho; Ele não precisa de ninguém. Também é claro que Ele poderia usar os anjos para fazê-la. Mas não é assim que Ele está fazendo. Ele quer que nós façamos esta obra; e Ele nos deu a capacidade necessária para fazê-la.

Portanto, somos

Responsáveis a Deus.


Deixe-me falar diretamente ao seu coração. Meu irmão, minha irmã, você recebeu um dom de Deus. Você não pediu este dom, mas Deus lho deu. Você não merece este dom; mesmo assim, Deus lho deu.

Por quê?

Deus lhe deu este dom, apesar da sua falta de mérito, porque Ele tem um plano específico para a sua vida. Há um trabalho que Ele quer que você faça. É um trabalho relacionado ao Seu reino, necessário para o bem estar da Sua igreja; e Ele lhe deu a capacidade para realizar esta obra. Deus lhe deu o dom necessário para isto. Isto quer dizer que não há outra pessoa que poderá fazer esta obra tão bem quanto você! Ninguém! Pois Deus lhe deu a capacidade necessária para fazê-la exatamente nas circunstâncias onde você está.

Você não sente a sua responsabilidade perante Deus? Você é capaz de fugir dela?

Responsáveis perante a igreja


Repito o que afirmei acima: esta obra para a qual Deus lhe capacitou é uma obra necessária para a igreja. Ao lhe dar este dom Deus, no mesmo instante, e pelo mesmo ato, deu você como dom à igreja. Aquele que recebeu o dom de ensinar (Rm 12:7) foi dado à igreja como ensinador (Ef 4:11). Talvez o seu dom não seja o de ensinar, mas seja qual for, Deus lhe deu à igreja para usar aquele dom visando o proveito do corpo.

Várias vezes no NT Deus usa a figura do corpo humano para ilustrar a igreja. Como o corpo é um e tem muitos membros, assim também é a igreja (I Co 12:12). Se um membro do corpo humano não funcionar — se o braço está paralisado, ou se os olhos não enxergam — o corpo todo é prejudicado. Assim também acontece na esfera espiritual. Se um membro não está funcionando, a igreja sofre em consequência. Se você, meu irmão, não está fazendo aquela obra para a qual Deus o preparou, a igreja está sendo prejudicada devido à sua omissão.

A responsabilidade é grande; a responsabilidade é unicamente sua.

Nenhuma desculpa é válida. Não podemos alegar impossibilidade de servir, devido às circunstâncias difíceis, porque o Deus que nos deu o dom sabia de todas as circunstâncias antes delas surgirem, e deu-nos o dom necessário para funcionar em tais circunstâncias. Em nada adianta falar das nossas preocupações, ou das nossas obrigações. Se não estamos usando o dom que Deus nos deu, estamos falhando na nossa responsabilidade perante a igreja.

Qual o dom que você possui?


Diante desta grande responsabilidade você precisa, em primeiro lugar, descobrir qual dom o Senhor lhe deu. Intimamente relacionado a isto, você precisa descobrir qual a obra que Deus quer que você faça.

Quando Saulo de Tarso ia a Damasco, para prender os discípulos do Senhor, aconteceu o que ninguém esperava. Saulo teve um encontro pessoal com o Senhor Jesus. Ao ouvir a Sua voz ele caiu por terra, e fez duas perguntas. Em primeiro lugar, perguntou: "Quem és, Senhor?" Ouvindo que era aquele Jesus que ele perseguia, ele logo fez a sua segunda pergunta: "Senhor, que queres que eu faça?" (At 9:4-6). A primeira pergunta era a respeito da Pessoa que falava; a segunda era a respeito do propósito desta Pessoa na vida de Paulo.

Quantos cristãos já fizeram a primeira pergunta, mas nunca pensaram em fazer a segunda. Já encontraram com o Senhor; conhecem-nO como Salvador. Sabem que são salvos; sabem também que vão para o céu; mas não sabem o que Deus quer deles nesta vida! E o pior de tudo é que nem procuram saber!

Você já passou algum tempo na presença do Senhor, seriamente procurando descobrir o que Ele planejou para a sua vida? Não tenha dúvida: Ele tem um plano para você. Ele vê um trabalho que precisa ser feito, e preparou você para fazer este trabalho. Você precisa perguntar, como Saulo de Tarso perguntou: "Senhor, que queres que eu faça?"

Muitas vezes a nossa maior preocupação é como a de Pedro, e não a de Saulo de Tarso. Quando Pedro recebeu instruções do Senhor quanto ao serviço que ele deveria fazer, ele não se preocupou, de imediato, em fazer aquele trabalho; preocupou-se antes com João. Queria saber o que João teria de fazer! Esta preocupação de Pedro trouxe uma justa repreensão do seu Senhor (Jo 21:19-22).

Como usar o seu dom


Ao introduzir o assunto de dons na sua carta aos Coríntios, Paulo fez menção do fato de que há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. Apesar da grande variedade de dons, todos eles vem de uma só fonte — o Espírito Santo (I Co 12:4). Em seguida, ele lhes indicou que há também uma grande variedade de serviços. Estes dons variados seriam usados de várias maneiras, mas o Senhor é o mesmo (I Co 12:5). Apesar da grande variedade de serviços, tudo era comandado por um só Senhor.

Isto é importante para o nosso estudo agora, pois diz claramente que ninguém pode usar o seu dom da maneira que achar melhor; tem que ser usado conforme as ordens do Senhor. Ninguém pode escolher o seu dom; os dons são distribuídos segundo a vontade soberana do Espírito Santo. Da mesma forma, ninguém tem o direito de usar o seu dom conforme quer; tem que usá-lo conforme a vontade soberana do Senhor.

Vemos um exemplo do controle do Senhor ao lermos sobre os dons de línguas e de profecia em I Coríntios cap. 14. "Se alguém falar língua estranha, faça-se isso por dois, ou quando muito três, e por sua vez, e haja intérprete. Mas, se não houver intérprete, esteja calado na igreja, e fale consigo mesmo, e com Deus. E falem dois ou três profetas, e os outros julguem. Mas se a outro, que estiver assentado, for revelado alguma coisa, cale-se o primeiro" (I Co 14:27-30).

Em termos mais gerais, ele diz: "Faça-se tudo para edificação" (I Co 14:16). "Faça-se tudo decentemente, e com ordem" (I Co. 14:40). E para que ninguém tenha dúvida, ele diz: "Se alguém cuida ser profeta, ou espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor" ( I Co 14:37).

O ensino destes versículos é claro. Como servos, temos que obedecer as ordens do Soberano Senhor no exercício dos dons que possuímos. E estas ordens estão escritas no NT. Todo o nosso serviço tem que ser em obediência à Palavra de Deus. A responsabilidade do servo é servir, obedecendo.

Use o dom que possui


É importante saber qual o dom que temos, mas isto em si não é o suficiente. Precisamos usá-lo. O grande perigo, para cada cristão, é deixar de usar aquilo que Deus lhe conferiu.

Timóteo recebeu um dom espiritual duma forma que não deixava dúvida alguma. Paulo, escrevendo-lhe a sua primeira carta, disse: "Não desprezes o dom que há em ti, o qual te foi dado por profecia, com a imposição das mãos do presbitério" (I Tm 4:14). Ninguém, muito menos Timóteo, podia duvidar que ele tinha esse dom — foi dado por profecia. Naquele tempo ainda havia profetas, pois a Bíblia não fora completada, e uma profecia comunicou aos irmãos — provavelmente os presbíteros da sua igreja local — que Timóteo possuía um determinado dom. Os presbíteros reconheceram este fato e mostraram isso impondo-lhe as mãos.

O Espírito Santo, porém, achou necessário exortá-lo a não desprezar o dom que havia recebido. A palavra traduzida "desprezes", significa negligencies, descuides. Isto mostra que é possível ter dom, e negligenciá-lo, deixando de cumprir o propósito de Deus em nossa vida. Se havia este perigo no caso de Timóteo, que recebeu aquele dom em circunstâncias tão notáveis, quanto mais perigo há para nós hoje. Quantos irmãos e irmãs estão fazendo exatamente isto. Estão negligenciando o seu dom. Estão fazendo pouco uso dele, e consequentemente, estão fazendo pouco caso daquilo que Deus lhes deu. Já pensou, meu irmão, em como você vai responder ao Senhor que lhe concedeu este dom, naquele dia quando Ele pedir contas?

Mais tarde, Paulo tornou a escrever a Timóteo, e novamente abordou este assunto: "Por cujo motivo te lembro que despertes o dom de Deus que existe em ti pela imposição das minhas mãos" (II Tm 1:6).

Na primeira carta, Paulo falou a Timóteo para não negligenciar o dom; agora escreve-lhe, dizendo que deve despertá-lo. Da primeira vez, Paulo abordou o assunto do lado negativo: "Não negligencies"; agora, ele fala do lado positivo: "Despertes".

A palavra traduzida "despertes" é interessante; significa acender de novo. É a palavra usada quando se acende novamente um fogo que se apagava. O contexto, em II Timóteo 1, mostra que o temor pode apagar o zelo que devemos mostrar no uso do nosso dom, mas não é a única coisa que age assim. Conforme vemos na primeira carta, o descuido pode produzir o mesmo resultado. Nossa responsabilidade, porém, é de não negligenciar o dom, acomodando-nos, antes despertá-lo e usá-lo, prontamente fazendo a vontade do Senhor e Salvador Jesus Cristo.

Cap. 11 — A Recompensa


Há ainda um outro aspecto dos dons que precisamos abordar. Refiro-me à recompensa que Deus dará àqueles que usarem fielmente os seus dons.

Já notamos, num capítulo anterior, que Deus concedeu dons visando o aperfeiçoamento do corpo de Cristo. Ele queria, por meio destes dons, preparar cada cristão para um trabalho específico, que formaria parte integrante dos propósitos de Deus. Cada cristão, portanto, tem o privilégio e a capacidade de participar ativamente na realização dos propósitos de Deus.

Isto traz muitos benefícios à igreja. Ela se edifica, pela cooperação de cada membro (Ef 4:16). E cada membro, individualmente, pela sua própria participação neste trabalho é também edificado.

Mas, há algo mais ainda! O uso fiel destes dons trará também para nós uma recompensa futura e eterna.

A graça do nosso Deus é indizível! Foi Ele quem nos deu a vida, bem como todos os talentos naturais que temos. Além disto Ele nos deu, gratuitamente, a salvação, e ainda nos concedeu, de graça, dons espirituais, capacitando-nos para o Seu serviço. No uso destes dons, temos o gozo e a honra de sermos cooperadores de Deus. Mas a Sua graça vai além disso! Ele ainda nos oferece recompensas futuras e eternas — recompensas pelo uso daquilo que Ele mesmo nos deu, e da qual fazemos uso com a força que vem dEle, e pela sabedoria que Ele concede.

A recompensa, porém, será dada estritamente de acordo com o nosso mérito. Há várias passagens no NT que falam deste galardão, como, por exemplo, a seguinte citação da carta aos Coríntios:

"Segundo a graça de Deus que me foi dada, pus eu, como sábio arquiteto, o fundamento, e outro edifica sobre ele; mas veja cada um como edifica sobre ele. Porque ninguém pode por outro fundamento, além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo. E, se alguém sobre este fundamento formar um edifício de ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno, palha, a obra de cada um se manifestará; na verdade o dia a declarará, porque pelo fogo será descoberta; e o fogo provará qual seja a obra de cada um. Se a obra que alguém edificou nessa parte permanecer, esse receberá galardão. Se a obra de alguém se queimar, sofrerá detrimento; mas o tal será salvo, todavia como pelo fogo" (I Co 3:10-15).

Nestas palavras aprendemos que o nosso trabalho será examinado; teremos de prestar contas ao nosso Senhor. Não há como fugir desta realidade. Da mesma maneira que, nas parábolas dos talentos e das minas, o senhor chamou seus servos e pediu contas do seu serviço (Mt 25:14-30 e Lc 19:11-27), assim o nosso Senhor nos chamará à Sua presença e pedirá contas do nosso serviço.

Escrevendo aos romanos, Paulo mencionou este fato: "Cada um de nós (isto é, cada pessoa salva) dará conta de si mesmo a Deus" (Rm 14:12). Mais tarde, escrevendo aos coríntios, Paulo tornou a abordar este assunto, e entrou em mais detalhes, dizendo: "Todos devemos comparecer ante o Tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o que tiver feito por meio do corpo, ou bem, ou mal" (II Co 5:10)

Quando será isto?


Deus deixou claro que isto vai acontecer na vinda do Senhor Jesus. Escrevendo aos coríntios, Paulo disse: "Nada julgueis antes do tempo, até que o Senhor venha, o qual também trará à luz as coisas ocultas das trevas, e manifestará os desígnios dos corações; e então cada um (isto é, cada servo Seu) receberá de Deus o louvor" (I Co 4:5). Referindo-se à mesma prova do nosso trabalho, Paulo uma vez exclamou: "Qual é a nossa esperança, ou gozo, ou coroa de glória? Porventura não o sois vós também diante de nosso Senhor Jesus Cristo em sua vinda?" (I Ts 2:19).

Será na Sua vinda, portanto, que Ele chamará os Seus servos e examinará o trabalho que tiverem feito.

Resultado


O que mais me impressiona em I Co 3:9-15 é o fato que nem todo o trabalho será recompensado.

Todos sabem, e concordam, que aquele que nada faz nada receberá. Galardão tem que ser merecido, senão não seria galardão; seria dom gratuito. Muitos cristãos, porém, ignoram o seguinte fato solene: é possível trabalhar, e trabalhar muito, sem receber recompensa alguma! Digo mais: é possível trabalhar, edificando sobre o fundamento certo, e ainda, em vez de galardão, sofrer dano!

Examine bem estes versículos, e verá que não tratam daquele que nada faz. Tratam de trabalho feito sobre o fundamento certo. Lemos que este fundamento único é o Senhor Jesus Cristo (v. 11). No versículo seguinte lemos: "se alguém, sobre este fundamento, formar um edifício …" (I Co 3:12). Note que está se tratando de serviço feito sobre o fundamento certo. Mesmo assim, há dois resultados possíveis:
  • A obra pode permanecer (v. 14);
  • A obra pode ser queimada (v. 15).

Aquele cujo trabalho permanecer terá recompensa; aquele cujo trabalho for queimado, sofrerá detrimento. Todos eles trabalharam. Não diz qual esforçou-se mais; mas diz que quando as obras forem avaliadas, um será aprovado, enquanto o outro será reprovado.

Este aviso não pode ser negligenciado. Temos que trabalhar, usando os dons que o Senhor nos concedeu. Ele nos deu estes dons gratuitamente, visando o aperfeiçoamento do corpo de Cristo, e um dia irá pedir contas; trabalhemos, então, com zelo e diligência.

Porém, há algo mais. Não é só trabalhar; é trabalhar conforme o Senhor quer, senão o trabalho será reprovado e teremos perdido todo o nosso esforço, apesar dos bons motivos que nos levaram a tanto sacrifício.

Se um construtor receber instruções para fazer uma casa conforme uma determinada planta, e ele, por conta própria, ou seguindo as sugestões de outros construtores, fizer uma construção que não esteja de acordo com aquela planta, o seu trabalho será reprovado. O que ele levantou com tanto esforço e suor terá de ser desmanchado. Assim é no nosso caso. Se nós usamos os dons que o Senhor nos deu de acordo com as instruções que Ele deixou, o trabalho será aprovado, pois é assim que Ele quer que trabalhemos. Se modificarmos as instruções, podemos trabalhar muito, mas naquele dia seremos reprovados.

Falando do uso de dons espirituais, Paulo disse: "Há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo" (I Co 12:5). O Senhor controla o uso destes dons, e deixou as instruções na Sua Palavra.

Devemos trabalhar, irmãos; mas devemos, cuidadosamente, examinar cada atividade em que participamos, para ver se tem a aprovação da Palavra de Deus. Pode ser um trabalho reconhecido, ou organizado, pela sua igreja local, mas se não tiver a aprovação da Palavra de Deus, você não deve participar naquilo, porque tal obra será reprovada.

À vista de tudo isto, não é de admirar que Paulo disse: "Veja cada um como edifica" (I Co 3:10).

As recompensas


A Bíblia não nos fornece detalhes a respeito destas recompensas, mas podemos ter certeza que serão dignas do nosso generoso Deus. Além disso, serão tais que trarão honra e glória, não a nós, mas Àquele que nos salvou e nos capacitou.

João teve uma visão vinda do céu enquanto esteve na ilha de Patmos, e entre outras coisas, viu os vinte e quatro anciãos prostrando-se diante do trono, e adorando Aquele que vive para todo o sempre. Nesta adoração, eles "lançavam as suas coroas diante do trono, dizendo: Digno és, Senhor, de receber glória, e honra e poder" (Ap 4:10-11). A palavra traduzida "coroas" não é a palavra que indica uma coroa real, e sim, a que indica uma coroa de vencedor — um prêmio adquirido com mérito. Portanto, o que estes vinte e quatro anciãos lançavam diante do trono foi aquilo que eles haviam recebido pelo seu esforço e mérito. E como seria bom, meu irmão, minha irmã, se nós tivéssemos algum galardão naquele dia, não para nos gloriarmos com ele, mas para o lançarmos aos pés dAquele que nos amou e nos salvou!

R. E. Watterson

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