Paraíso

[Este artigo é um dos apêndices do Comentário Ritchie do NT vol 08 — II Coríntios, de autoria de Albert McShane e publicado por esta editora.]

A palavra “Paraíso” parece ter vindo de uma palavra persa cujo significado é “área de caça”, ou “jardim”. Salomão foi o primeiro escritor a introduzi-la nas Escrituras Hebraicas, e usou-a duas vezes (Ec 2:5 e Ct 4:13), onde é traduzida “pomar”. Aparece também em Neemias 2:8, traduzida “jardim”. Entretanto, a LXX usa a palavra “paraíso” para o jardim do Éden, e por causa disto muitos chamam aquele lugar por este nome.



A palavra ocorre três vezes no NT: Lucas 23:43; II Coríntios 12:4; Apocalipse 2:7. Quase todos concordam que nas duas últimas passagens indica o Céu, pois na passagem em Coríntios Paulo a liga com “o terceiro Céu”, e na carta à igreja de Éfeso o Senhor mesmo diz que a “árvore da vida” está no meio do paraíso, e a recompensa dos vencedores será comer do seu fruto. Nenhuma destas passagens pode se referir à Terra, ou a qualquer lugar de cativeiro, mas sim ao jardim de prazeres de Deus, que é o Céu.

Entretanto, quando pensamos em como o Senhor usou esta palavra quando estava na cruz, há uma grande diversidade de opiniões sobre qual o lugar a que Ele se referia. Quando Ele disse ao ladrão penitente: “Hoje estarás comigo no paraíso”, Ele deixou bem claro que onde Ele estivesse, o ladrão também estaria. Quando indagamos sobre onde Cristo esteve entre a Sua morte e ressurreição, encontramos respostas muito diferentes.

Muitos crêem que quando Ele morreu o Seu espírito e alma foram ao Hades. Com isto eles querem dizer que Ele desceu às regiões subterrâneas do mundo para onde os justos e os maus estavam presos — os primeiros, num lugar de conforto, os outros num lugar de tormentos. Eles imaginam que este lugar é dividido por um abismo e que a parte superior, onde os justos estavam, era o paraíso do qual Ele falou quando conversou com o ladrão. Alguns daqueles que concordam com estas idéias, dizem que este lugar era no centro da Terra, e que se pudéssemos cavar o suficiente chegaríamos lá. Outros não tentam definir a sua localização, mas se satisfazem em crer que, de alguma forma, fica “em baixo”. Aqueles que concordam com estas idéias do paraíso, crêem que quando Cristo ressuscitou, Ele trouxe consigo todos os ocupantes da parte superior, que desde então ficou vazia, pois os justos não vão mais para lá. Ao trazer consigo os mortos justos, Ele estava livrando-os do cativeiro, pois eles consideram este paraíso como um lugar onde os espíritos estavam sob guarda, e citam as palavras de Efésios: “levou cativo o cativeiro”, como prova de que, na Sua ressurreição, Ele levou consigo estes prisioneiros e livrou-os do seu cativeiro (4:8). Nem é preciso dizer que eles crêem que o paraíso de Lucas 23 é um lugar muito diferente daquele de II Coríntios 12.

Para alguns de nós, é difícil conceber como um lugar de cativeiro, por melhor que seja, pode ser descrito por um nome que significa “jardim de prazer”. Se Cristo estivesse descendo a um lugar tenebroso, e se o ladrão estivesse indo ao mesmo lugar, por que Ele não explicou àquele homem que as coisas não seriam muito boas imediatamente depois da sua morte, mas que depois melhorariam? Para alguém que esperava acordar no paraíso, acordar no cativeiro deveria, no mínimo, ser muito desagradável. Além disso, quando consideramos as palavras que Cristo disse logo depois da Sua promessa ao ladrão: “Pai, nas Tuas mãos entrego o Meu espírito” (Lc 23:46), podemos perguntar: o Pai enviou aquele espírito a estas regiões mais baixas e ao cativeiro dos mortos justos? Estevão, quando pediu que o Senhor recebesse o seu espírito, foi tratado melhor do que Cristo, quando Ele entregou o Seu espírito ao Pai?

Para superar esta dificuldade, surgiu a teoria de que o espírito do Senhor foi ao Pai, a Sua alma ao Hades, e o Seu corpo ao túmulo, mas isto não pode ser, pois implica em separar a alma e o espírito, algo que nunca é sugerido nas Escrituras. Onde quer que o espírito vai a alma também vai, portanto enquanto podemos distinguir entre eles, não podemos separar um do outro. Dizer que o Senhor não foi ao Pai até depois da Sua ressurreição é não entender as Suas palavras a Maria: “Não Me detenhas, porque ainda não subi para Meu Pai” (Jo 20:17), pois Sua ascensão incluía o Seu corpo.

Embora pode parecer estranho a muitos leitores, cremos que, quando Cristo morreu, Ele foi recebido, no Seu espírito e alma, pelo Pai, e que esteve na Sua presença até a manhã da Sua ressurreição, e que quando o ladrão morreu, ele também foi ao mesmo lugar e que ambos estavam no paraíso. Em outras palavras, não fazemos distinção entre o paraíso de Lucas 23 e o paraíso de II Coríntios e Apocalipse. Não conseguimos encontrar apoio sólido, nas Escrituras, para supor que os santos que morreram antes da morte de Cristo iam a um lugar diferente daquele para onde os santos vão agora. É verdade que não tinham o conhecimento que nós agora temos sobre o estado dos mortos, embora alguns deles, como o Salmista que escreveu: “guiar-me-ás com o teu conselho, e depois me receberás em glória” (Sl 73:24), não ficavam muito atrás quanto à sua compreensão daquilo que vem depois da morte. Sabemos que o Evangelho tem “trazido à luz a vida e a imortalidade” e nos dado um conhecimento mais profundo daquilo que nos aguarda no futuro, mas não podemos concluir que, porque os santos do VT não eram tão privilegiados, por isso iam, na sua morte, a um lugar diferente daquele para onde nós iremos se morrermos.

Quanto às palavras de Efésios 4 sobre a “multidão de cativos”, cremos que nada tem a ver com os santos do VT, mas que se referem, sim, aos principados e potestades que foram conquistados por Cristo; embora, por algum tempo, mantinham os homens cativos, eles próprios se tornaram cativos de Cristo. A mesma conquista é mencionada na epístola irmã, Colossenses, onde lemos: “despojando os principados e potestades, … deles triunfou em Si mesmo” (2:15).

Albert McShane — © 2018 Ed. Sã Doutrina

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