“Eu não quero ver você pulando na rua feito palhaço!” gritava o Delegado, visivelmente irritado. O Sr. Guilherme tentava explicar-se, mas o Delegado falava sem parar. Não havia possibilidade de explicar. “Você está proibido de ficar gritando e pulando nas ruas de Guará!”
Naqueles dias, no mês de junho de 1944, o Sr. Guilherme estava participando de uma série de reuniões em Guará junto com outro escocês, o Sr. Alexandre Simpson. Ele escreveu no seu diário que as reuniões com as crianças iam muito bem, e as pregações ao ar livre também eram boas — até aquela quarta-feira quando o padre reclamou com seu amigo, o Delegado, que logo proibiu as pregações nas ruas.
Sem dúvida, muitos moradores de Guará estavam perguntando quem era este desconhecido, e por que andava pregando pelas ruas da sua cidade. Creio que o povo de Nínive deve ter feito a mesma pergunta quando Jonas chegou à cidade deles. O mesmo Deus que mandou Jonas sair da sua pátria e entregar aos ninivitas uma mensagem de Deus, mandou este evangelista sair da Escócia e levar a mensagem do Evangelho ao Brasil. Sr. Guilherme estava convicto disto. Foi por causa desta convicção que ele estava na delegacia naquele dia ensolarado de 1944.
Mas quem era este Sr. Guilherme? De onde veio? E por que veio ao Brasil?
No dia 19 de dezembro de l909 nasceu no bairro de Shettlestone, Glasgow, na Escócia, um menino que recebeu o nome de William (Guilherme), o terceiro filho de William e Jessie Maxwell. Seus pais não eram ricos em coisas materiais, mas possuíam a maior de todas as riquezas — a vida eterna e as bênçãos espirituais em Cristo Jesus.
Porém, não pertenciam a nenhuma das denominações religiosas existentes naquele país naquela época. Certos de que o Deus que lhes deu a salvação tinha dado também instruções para orientar a sua vida em todos os detalhes, reuniam-se com outros cristãos em Shettlestone, numa igreja autônoma que procurava praticar o modelo simples de igreja que encontrava nas Escrituras.
O jovem Guilherme, portanto, conhecia o Evangelho desde a sua infância, e foi salvo aos doze anos de idade. Ele mesmo contou como foi esta experiência; reproduzimos o seu testemunho, registrado por sua filha Ana, nas sua próprias palavras:
Eu me converti aos doze anos, depois de ouvir uma mensagem onde o pregador citou o versículo: “… o Meu Espírito não agirá para sempre no homem” (Gn 6:3), e como esta era a terceira vez que Deus me convencia do pecado e da necessidade de arrependimento para a conversão, senti naquela noite como se fosse “agora ou nunca,” e cri no Senhor Jesus como meu Salvador.
Muitas vezes, nestes anos todos, fui infiel; tive dias de fraqueza espiritual, mas nunca, nunca duvidei da minha salvação. Cresci junto com meus irmãos (que eram quatro, mais uma irmã) e os jovens da igreja, frequentando todas as reuniões e participando, na medida do meu crescimento, de todas as atividades da igreja local — Shiloh Hall, Glasgow, Escócia.
Junto com um grupo de amigos fazíamos pregações ao ar livre no centro de Glasgow, e eu era um dos “Acampantes da Tenda Verde do Evangelho”. Passávamos parte das nossas férias com a nossa barraca verde em algum lugar à beira mar ou em alguma aldeia no interior, e desta forma aproveitávamos as nossas férias pregando o Evangelho.
Namorei uma jovem, amiga desde a infância, a Leila Crawford, e já durante o namoro conversávamos sobre o nosso desejo de servir ao Senhor onde Ele nos mostrasse, com algum interesse no exterior, mais especialmente Índia ou África. Leila então resolveu estudar enfermagem, sentindo que com isto estaria mais preparada para servir ao Senhor. Casamo-nos em 1936; eu trabalhava como vendedor. Montamos o nosso lar em um apartamento muito bonitinho, e continuamos muito felizes trabalhando e ajudando os irmãos de Shiloh Hall nas diversas atividades.
Certa noite, depois de uma reunião, voltávamos a pé para casa na companhia de outra irmã de mais idade, que a certa altura nos disse: “Willie, eu sempre achei que você estaria ocupado no serviço do Senhor.” As suas palavras tiveram um forte impacto, mas eu ri e respondi: “Eu estou ocupado no serviço do Senhor”, ao que ela retrucou seriamente: “Você sabe muito bem o que eu quero dizer”. E eu sabia mesmo! Aquela noite eu e Leila conversamos e oramos, mais uma vez colocando-nos à inteira disposição do Senhor.
Porém, em vez de as portas se abrirem diante de nós, aconteceu o contrário, e eu contraí uma enfermidade, muito séria para a época — tuberculose! E agora, Senhor? O que fazer? O que será do nosso chamado?
Começou então um período de tratamento muito sério, no qual fui muito ajudado pela minha esposa e sua família, ficando hospedado por alguns meses na fazenda dos seus pais onde o ar era mais puro. Durante todo este período tínhamos sempre em mente que o Senhor nos chamara, e que este era apenas um período transitório de espera e de treinamento para o serviço que viria a seguir.
Finalmente o médico disse que eu estava curado, e as portas começaram a se abrir novamente. Ouvimos, certo dia, o relatório de um missionário que trabalhava na Argentina e o nosso coração foi tocado, mas o caminho não se abriu para aquele país, embora as nossas atenções já estivessem voltadas para a América do Sul. Logo depois veio às nossas mãos um livro chamado “Aventuras com a Bíblia no Brasil”, escrito por F. C. Glass, contando a sua experiência como colportor e suas aventuras distribuindo e vendendo Bíblias.
Nesta época, também tivemos o privilégio de receber em nossa casa para um fim de semana o Sr. John Murray, convidado pela igreja local para uma série de reuniões especiais. Esta era a sua primeira viagem de volta à Escócia, bastante doente devido à verminose que o atacara. Falou-nos do trabalho no interior de Minas Gerais, em Ituiutaba, e da necessidade de mais obreiros naquele grande país.
Mais ou menos na mesma época ficamos conhecendo o Sr. Edward Hollywell, que servia ao Senhor em São Paulo, e ele também nos contagiou com seu entusiasmo pelo trabalho do Senhor naquele país tão grande, e para nós praticamente desconhecido. Sentimos então com certeza que o Senhor nos chamava para o Brasil. Era uma convicção serena que resultou em paz e alegria interior. Durante todo este tempo os irmãos de Shiloh Hall nos deram todo o seu apoio e oração.
Começamos os preparativos, e depois de alguns meses partimos da Central Station em Glasgow, no dia 25 de Março de 1938, quando um grupo grande de irmãos (umas duzentas pessoas) foi se despedir de nós. Enquanto o trem lentamente deixava aquela plataforma os nossos jovens corações batiam mais fortes, sentindo já a saudade que seria nossa companheira pelo resto dos nossos dias, e ao mesmo tempo a força e o poder que o Senhor nos dava, junto com o desejo ardente de levar a gloriosa mensagem do Evangelho àqueles que não a conheciam. Enquanto o trem ganhava velocidade ouvíamos cada vez mais longe as vozes que cantavam um hino, lá na estação, até que o único som era o do trem que nos levava para cada vez mais longe dos nossos queridos, e o nosso coração se elevava ao Senhor em oração para que Ele nos abençoasse e nos usasse no Brasil.
Partimos de Londres no dia seguinte a bordo do navio Highland Monarch. Enquanto observávamos a terra se distanciar cada vez mais, que desolação encheu o nosso coração. Ansiedade, saudade, expectativa … Fortalecemo-nos, porém, no Senhor lembrando que Ele estaria conosco onde quer que fôssemos, e o que poderíamos desejar mais? Chegamos a Santos depois de vinte e dois dias de viagem, após termos passado por Recife e Salvador, onde a beleza deste país, já amado por nós, acabou de nos conquistar.
Ao chegarmos, fomos recebidos pelos irmãos Sr. Edward Hollywell e Sr. Frederick Smith, com quem ficamos hospedados por alguns meses aguardando a direção do Senhor quanto ao próximo passo. Depois de uma passagem rápida por Ituiutaba, fomos para São Joaquim da Barra onde pudemos ver almas salvas e uma igreja estabelecida. Depois da morte do Sr. Alexandre Simpson em 1950 mudamo-nos para Uberaba.”
O Sr. Guilherme e Dª Leila ficaram em Uberaba até serem chamados à glória. A Dª Leila partiu em 17 de Dezembro de 1988 e o Sr. Guilherme em 15 de agosto de 2005.
Sr. Guilherme no Brasil
Sr. Guilherme e D. Leila ficaram em São Paulo alguns meses cuidando da legalização da sua permanência no país, e estudando a língua portuguesa. Enquanto cuidava destas formalidades, o Sr. Guilherme jamais esqueceu da necessidade dos pecadores, e com alegria e entusiasmo participou com os irmãos locais na distribuição, de casa em casa, de 5.000 folhetos e convites às pessoas para uma série de reuniões naquela localidade. Souberam de cinco pessoas que professaram ser salvas naquelas reuniões.Em Agosto daquele mesmo ano ele passou três semanas com o irmão R. D. Jones em Uberaba, e além de conhecer a cidade de Ituiutaba, no Triângulo Mineiro, pôde visitar também outros lugares, como Conquista, Sacramento e Garimpo. Ele relata no seu diário que foi bem recebido pelo povo destas cidades.
Os primeiros passos
Vendo o trabalho que estava sendo feito de maneira tão simples e despretensiosa no Triângulo Mineiro, o Sr. Guilherme percebeu claramente que era o trabalho que ele queria fazer. E não perdeu tempo. No mês de outubro de 1938 o Sr. Guilherme e Dª Leila mudaram-se para Ituiutaba, no Triângulo Mineiro, onde ficaram até junho de 1939.Mas este tempo ainda foi um tempo de preparação. Outras portas estavam abertas; outros campos estavam brancos para a ceifa, e Deus estava preparando Seu servo. Pouco antes de deixar Ituiutaba, ele escreveu:
Estamos pensando na região que está além de Frutal. Estamos considerando a possibilidade de adquirir um trailer para usar naquela região.
Mas o evangelista está sempre vasculhando os horizontes, e ele pensou também na região de Orlândia, no estado de São Paulo.
Aquele dia no final de Agosto de 1939 parecia como qualquer outro dia lá na Estação Ferroviária em Uberaba. O trem da Companhia Mogiana estava saindo da estação com destino a São Paulo. Fazia este percurso todos os dias, mas nenhum dos passageiros poderia imaginar a importância daquela viagem, naquele dia!
Só Deus sabia que acabara de embarcar naquele trem um servo Seu, enviado para pregar o Evangelho. Com certeza as palavras que ele tantas vezes citava estavam nos seus pensamentos: “Ai de mim se não anunciar o Evangelho” (I Co 9:16). Quando aquele trem parou na estação de Orlândia, no Estado de São Paulo, Sr. Guilherme desembarcou. Ele não conhecia a cidade de Orlândia; não conhecia ninguém naquela cidade, mas uma coisa ele sabia — os seus moradores precisavam ouvir o Evangelho.
Naquele dia muitos ouviram, pois o Sr. Guilherme ocupou o seu tempo ali andando pelas ruas distribuindo folhetos e falando do Evangelho. Mais tarde ele escreveria que não foi muito bem recebido em Orlândia. No dia seguinte, ele foi à cidade vizinha de São Joaquim da Barra, e no próximo dia visitou Ituverava. O povo em São Joaquim parecia mais disposto a ouvir a Palavra, e ele voltou para aquela cidade e começou a procurar uma casa para alugar, e logo que fechou o negócio, voltou a Uberaba onde Dª Leila o aguardava, e no dia 19 de setembro de 1939, o casal, com sua filhinha, Ana, se mudaram para a casa que ele alugara em São Joaquim da Barra.
Naqueles dias Sr. Guilherme escreveu:
A casa está uma bagunça; vai levar de 10 a 15 dias para deixá-la em ordem e poder ter reuniões. Sentimo-nos muito sós aqui; “perdidos”, sem conhecer ninguém. Estamos com muita vontade de começar a pregar, mas precisamos ter paciência. Hoje cedo lemos em Josué 17, cuja leitura nos alegrou e nos fortaleceu. Há inimigos fortes aqui, e também nos nossos corações — incredulidade e dúvida — mas com certeza os lançaremos fora, pois o Senhor está conosco.
Semeando em São Joaquim da Barra
Logo que a casa ficou pronta, Sr. Guilherme começou a semear a boa semente. Ele decidiu ter uma pregação do Evangelho cada Domingo na sua casa, à Rua XV de Novembro. A primeira reunião foi no Domingo, dia 06 de Outubro de 1939. Durante a semana que precedeu aquela reunião, ele andou de porta em porta na Rua XV convidando todos a virem à sua casa no Domingo para ouvir o Evangelho. Subiu por um lado da Rua XV e desceu pelo outro, convidando, e assim fez em todas as ruas da cidade.Chegou a hora da reunião, e ele ficou feliz ao ver 15 pessoas presentes naquela reunião. Realizaram também uma reunião para crianças e o resultado foi melhor ainda — 22 crianças presentes.
Mas a oposição logo se manifestou. O padre proibiu o povo de ir às reuniões e mandou que rasgassem os folhetos que haviam recebido. Falou que ele mesmo iria à reunião para ver quem estava assistindo. Com isso o número de assistentes nas reuniões diminuiu, e por três ou quatro domingos não houve reunião porque ninguém apareceu. O evangelista, porém, não esquece que Deus o mandou pregar, e assim o Sr. Guilherme continuou com as reuniões na Rua XV, apesar do fato que pouquíssimas pessoas vinham. Em torno de 15 crianças vinham regularmente na Escola Dominical.
Mais oposição
Durante os longos anos do seu serviço para Deus, este servo do Senhor teria de enfrentar muita oposição de várias formas. Mencionamos apenas alguns exemplos.Em outubro de 1940, o Sr. Guilherme alugou um salão em Santana (hoje o nome desta cidade é Ipuã) para pregar o Evangelho ali. Houve pouco interesse, mas sempre havia algumas pessoas presentes para ouvir. O padre disse ao povo que os pregadores eram comunistas, e logo seriam presos!
Mais ou menos na mesma época, o Sr. Guilherme comprou um carro, um Ford 28, e assim podia ir mais longe. Foi levar o Evangelho para Campina Verde, e Dª Leila e sua filhinha foram também. Chegando em Campina Verde, a primeira coisa foi reservar um quarto na Pensão. Tendo feito isto, Dª Leila e a filhinha ficaram descansando enquanto o Sr. Guilherme saiu para distribuir folhetos. Logo Dª Leila ouviu os foguetes e ficou assistindo o “show” da janela da Pensão; nem imaginava que era por causa do seu marido. O padre estava fazendo isto para convocar o povo, e enquanto isto, um homem, de revolver em punho, seguia o recém-chegado recolhendo todos os folhetos que haviam sido distribuídos. O Delegado avisou o Sr. Guilherme que ele não tinha homens nem armas suficientes para garantir a sua vida, e o aconselhou a sair da cidade antes de escurecer, pois o padre tinha vários jagunços na cidade. Ele voltou à pensão para buscar a esposa e filha, e com dificuldade saíram da cidade, pois ninguém queria lhe vender gasolina. Na saída, também, tiveram de atravessar uma ponte e todos os alunos da escola foram liberados para irem até a ponte e insultar a família ao passar.
Em São Joaquim, também, além das reuniões em sua casa, ele pregava nas ruas e na praça. O padre, Frei Eugênio, ficava irritadíssimo, e espantava as crianças com seu guarda chuva e espalhava água benta pela rua; não queria que as crianças ouvissem as pregações.
Havia também oposição de outra natureza. Diversas denominações que professam ser evangélicas também criaram problemas, falando mal do Sr. Guilherme pessoalmente, ou tentando confundir os recém-convertidos para levá-los após si. O “pastor” de uma denominação evangélica tradicional em Guará visitou as pessoas que estavam assistindo as reuniões onde o Sr. Guilherme estava pregando, e disse que Guilherme logo terminaria como começou (isto é, sozinho), e tentava persuadir estas pessoas a abandonar as reuniões para seguir a denominação dele.
Ampliando os horizontes
Enquanto continuava pregando na sua casa na Rua XV, o evangelista estava pensando nas “aldeias vizinhas” (Mc 1:38), e vemo-lo novamente em Orlândia, onde não tinha sido bem recebido quando a visitou na ocasião já mencionada. Teve algumas reuniões para a pregação do Evangelho. Embora muitas vezes sem nenhum companheiro, ele pregava ao ar livre. Ao mesmo tempo ele estava visitando a zona rural, e pregando o Evangelho nas fazendas.O bem conhecido irmão João Adão de Oliveira lembra até hoje de chegar em São Joaquim e ver um homem sozinho na rua pregando o Evangelho. Ele lembra perfeitamente de algumas palavras do pregador: “Ai de mim se não anunciar o Evangelho” (I Co 9:16).
Ao ler este relato de algumas das atividades do nosso saudoso irmão Guilherme, impressiona-nos a simplicidade deste trabalho. É tão diferente daquilo que vemos hoje. A tendência neste século 21 é organizar grandes campanhas, com uma programação atraente, e o apoio do maior número possível de “igrejas” e “obreiros”, envolvendo muitas pessoas e muito dinheiro. Mas o Sr. Guilherme conhecia os princípios bíblicos, e seguiu o modelo apostólico, pregando a Palavra onde Deus lhe abrisse a porta.
Estava terminando o ano de 1939, e um vendedor de amendoim estava terminando seu trabalho daquele dia. Ele passava pela Rua XV de Novembro em São Joaquim, e ficou atraído à uma pequena reunião que ali se realizava. Terminada a reunião, ele conversou com o pregador, o Sr. Guilherme, e entre outras coisas, disse-lhe que seu concunhado, o Sr. Antônio de Paula, que morava na cidade de Guará, estava interessado nestas coisas.
O Sr. Guilherme não precisou de mais incentivo. Foi até Guará à procura de mais uma alma sedenta. O Sr. Antônio não estava em casa; estava trabalhando numa roça perto da cidade. Sr. Guilherme foi até lá. A casa do Sr. Antônio tornou-se em outro lugar de pregação. Durante muito tempo, o Sr. Guilherme ia de bicicleta todos os sábados para pregar o Evangelho na casa do Sr. Antônio (um total de quase 40 km, ida e volta).
Lendo o que escreveu no seu diário naqueles dias, ficamos admirados diante do esforço e perseverança do nosso irmão. Somente o amor de Deus e a compaixão pelas almas perdidas poderiam levar um homem a tamanho esforço, sempre ampliando seus horizontes, para levar o Evangelho a toda a criatura.
Além de lutar incansavelmente para estabelecer uma igreja em São Joaquim da Barra, ele (como verdadeiro evangelista que foi) estava visitando as fazendas, semeando a boa semente ali. No seu diário há menção de muitas fazendas que ele visitava (algumas delas muitas vezes) no seu empenho de levar o Evangelho a toda a criatura. Entre as muitas fazendas onde pregava, ele mencionou Aroeira, Santa Helena, Boa Esperança, Olaria, Ponte Nova, Córrego Fundo, e muitas outras.
Chegar nestas fazendas não era fácil, mas o Sr. Guilherme não poupava sua velha bicicleta, sem marchas. Voltando à noite, no escuro, com a ajuda somente de uma pequena e fraca luz produzida pelo dínamo na roda da sua bicicleta, quantos tombos ele levou! Mais tarde quando outro irmão ia com ele, as coisas eram até piores, pois a bicicleta do outro irmão não tinha luz, e ele ia na frente, e sr. Guilherme vinha atrás iluminando o trilho, e as trombadas e tombos eram muitos! Outros lugares eram alcançados somente à cavalo ou a pé.
Mesmo com este trabalho na zona rural, ele ainda achou tempo para levar o Evangelho a muitas cidades, como vemos na seguinte citação do seu diário:
“Passei mais um dia sozinho em Sales de Oliveira, e deixei um folheto em quase todas as casas na cidade”.
Muitas outras cidades são mencionadas como sendo visitadas com o Evangelho. A lista seria grande demais para reproduzir aqui, mas algumas das cidades onde ele trabalhou na década de quarenta são: Guará, Ituverava, Igarapava, Uberaba, Sacramento, Conquista, Garimpo, Campina Verde, Lajeado, Frutal, Barretos e muitas outras. Em Santana ele conseguiu permissão para pregar no cinema. Era o costume naquela cidade (hoje chamada Ipuã) tocar um sino quando chegava um filme novo, e o povo viria. Sr. Guilherme tocou o sino, e 300 pessoas lotaram o cinema e ouviram o Evangelho!
É impressionante a extensão do trabalho feito por um irmão, sozinho, mas na direção do Senhor. Em simplicidade, sem alarde e sem procurar aplausos dos irmãos, o Sr. Guilherme serviu a Deus e à sua geração. Sem os bons meios de transporte que hoje possuímos, ele semeou a boa semente nas cidades e fazendas numa área muito grande do Triangulo Mineiro e do noroeste do Estado de São Paulo.
Alguns cristãos, bem como muitas igrejas, pregam fielmente para os seus vizinhos e conhecidos, mas não sentem nenhuma compaixão para com aqueles que estão longe ou até mesmo em outros países. Também há muitos que se preocupam com as multidões de pessoas que moram nas trevas em lugares longínquos, mas não se preocupam com os que estão perto. O Sr. Guilherme não foi assim. Enquanto ele continuava pregando na Rua Sergipe em São Joaquim da Barra, ele ia às fazendas levar as boas novas da salvação, e ainda achou tempo para visitar muitas outras cidades com o Evangelho. E enquanto fazia tudo isto, ainda pôde começar reuniões, cada quarta-feira, no outro lado da cidade de São Joaquim!
Em setembro de 1941 lemos dos primeiros batismos quando quatro pessoas (dois homens e duas mulheres) foram batizados — aproximadamente 2 anos depois de começar o trabalho naquela cidade.
Nem sempre havia muito fruto para lhe animar. Em meados do ano de 1941 ele escreveu:
Paramos as reuniões em Santana; … há pouco interesse em Guará; … São Joaquim, pelejando.
Neste período do seu trabalho, encontramos diversas vezes está palavra “pelejando”; expressa muito bem a atitude desde destemido evangelista em tempos de muita oposição e pouco fruto aparente. Pode ser que nosso saudoso irmão sentiu a dor do desânimo, mas nunca desistiu. Pelo contrário, estava sempre abundante na obra do Senhor, sabendo que seu trabalho não era vão no Senhor (veja I Co 15:58).
Sr. Guilherme em Uberaba
Em 1950 o irmão Alexandre Simpson, que havia trabalhado muitas vezes com o Sr. Guilherme, faleceu. Sr. Guilherme sentiu a necessidade de mudar-se então para Uberaba, devido a carência do trabalho do Senhor no Triângulo Mineiro.Esta mudança para Uberaba não mudou sua maneira de trabalhar, pois seu diário e outras fontes de informação nos mostram o mesmo entusiasmo e o mesmo esforço incansável, pregando em Uberaba e também visitando fazendas e outras cidades, muitas vezes na sua motocicleta. Nomes como Conquista, Sacramento, Quenta Sol, Garimpo, Ituiutaba, Conceição das Alagoas e muitos outros aparecem. Algumas destas cidades são lugares que ele já conhecia desde o tempo quando morava em Ituiutaba. Nesta altura, ele já tinha 41 anos de idade.
Além das suas pregações e viagens, vemos em Uberaba outra dimensão no seu esforço de alcançar “toda a criatura”. Ele pregava também através da Rádio, tendo um programa semanal de 15 minutos. Com certeza, muitos ouviram estas pregações, mas ele escreveu que os resultados eram desanimadores. Somente na eternidade é que poderemos avaliar exatamente o seu resultado.
Pelo seu diário, podemos notar que estava sentindo mais oposição da parte de Adventistas, Testemunhas de Jeová e Pentecostais, porém a oposição dos Católicos continuava, como vemos em Quenta Sol na ocasião da morte do irmão Sr. Cesário, quando não foi permitido que ele fosse enterrado no cemitério local, e isto resultou na construção de um outro cemitério para os crentes!
Com o aumento do número de igrejas locais em vários estados brasileiros, era necessário que irmãos experientes, capazes de ensinar conforme o modelo deixado nas Escrituras, viajassem mais, e o Sr. Guilherme estava sempre pronto para ajudar, especialmente as igrejas mais isoladas e fracas. Assim, mesmo nos últimos anos da sua vida, este irmão continuou sendo o que sempre foi, um pregador itinerante. No fim do século 20 e começo do século 21 ele visitou lugares bem distantes. Tive o prazer de acompanhá-lo na sua ultima visita a igreja em Iporá no interior de Goiás. Ele havia ajudado esta igreja desde a sua formação. Além das reuniões quando ele dava um ministério sadio, simples e prático, ele ia sempre nas casas dos irmãos e trazia o calor dum amor sincero, e demonstrava uma preocupação genuína pelo bem estar de cada irmão e cada irmã, especialmente das crianças. E todos sabiam como ele apreciava aquele café fresquinho!
Outras igrejas que ele ajudou bastante no seu início foram as de Uberlândia e do Distrito Federal. Também nunca esqueceu daqueles lugares onde havia semeado a boa semente décadas atrás, como Sacramento, São Joaquim, Guará, Barretos e Ituiutaba entre outras. Na região de Descalvado e Pirassununga, suas visitas sempre foram apreciadas.
Sua idade avançada
Mesmo nos últimos anos e meses da sua vida aqui, seu interesse no Evangelho era um incentivo para muitos. Lembro-me de um incidente que mostra a atitude que era característica deste irmão durante toda a sua vida. Ele chegou à nossa casa em Descalvado, e após participar de um lanche falou que precisava descansar um pouco. Uma hora depois estávamos prontos para ir a Porto Ferreira para pregar o Evangelho. Decidimos não chamar o Sr. Guilherme, pois a viajem que acabara de fazer era longa e cansativa para um homem de 94 anos de idade. Saímos pela porta dos fundos para não acordá-lo, e quando chegamos na área da frente, lá estava o Sr. Guilherme de paletó e gravata, e com a Bíblia na mão esperando para ir à reunião! Ele sabia que saímos todas as noites para reuniões, e por isso só perguntou: “Onde é que vamos hoje?” No caminho, eu perguntei-lhe se ele queria dividir o tempo da pregação comigo. Sugeri que ele falasse o tempo que quisesse, mesmo se fosse 2 ou 3 minutos, e eu falaria durante o tempo que sobrava. Ele concordou, e quando subiu para pregar, foi com dificuldade que ele conseguiu subir no púlpito, mas o velho entusiasmo e alegria eram evidentes enquanto ele fazia o que gostava de fazer — pregar a Cristo crucificado. Mas não dividimos o tempo. Ele ocupou proveitosamente o tempo todo!Este é o Sr. Guilherme de quem eu me lembro.
Um desafio
Ao escrever estas poucas palavras, nosso desejo não é exaltar o nome do nosso irmão Sr. Guilherme. Ele seria o primeiro a condenar tal projeto. Seu alvo durante toda a sua vida, desde aquele momento em 1921 quando ele foi salvo pela graça de Deus, foi glorificar e exaltar o nome dAquele que o salvou.Não temos contado a historia da sua vida, nem apresentado cronologicamente os fatos mencionados. Temos relatado, com uma simplicidade que caracterizou o Sr. Guilherme, alguns fatos que mostram algo que é muito raro em nossos dias, a saber, um homem, desejando ser guiado pelo Espírito Santo no seu trabalho. A “carne” pode gostar de pregar para um grande número de pessoas, num estádio ou auditório muito grande, mas somente um homem de Deus escolheria as humilhações, as ameaças, as oposições e a falta de companheiros, para levar o Evangelho a toda a criatura, como o Sr. Guilherme fez.
Antes de voltar ao céu, o Senhor Jesus mandou que os Seus pregassem o Evangelho a toda a criatura e fizessem discípulos de todas as nações.
E eles obedeceram.
Aqueles primeiros discípulos pregaram por toda a parte (Mc 16:20). O Evangelho chegou a todo o mundo (Cl 1:18). Foi pregado a toda a criatura que há debaixo dos céus (Cl 1:23).
Aqueles primeiros irmãos captaram a visão de um mundo perdido, e mesmo sofrendo grande perseguição, andavam por toda a parte, anunciando a Palavra (At 8:4).
Sem dúvida, Paulo, o apóstolo, foi um dos exemplos mais destacados daqueles evangelistas. No ano 60 a.D. escreveu numa carta aos coríntios: “… já chegamos até vós no Evangelho de Cristo … tendo esperança de que, crescendo a vossa fé, seremos abundantemente engrandecidos entre vós, conforme a nossa regra, para anunciar o Evangelho nos lugares que estão além de vós” (II Co 10:14-16).
Outra vez, escrevendo aos romanos, disse: “Desde Jerusalém, e arredores, até ao Ilírico, tenho pregado o Evangelho de Jesus Cristo. E desta maneira me esforcei por anunciar o Evangelho, não onde Cristo houvera sido nomeado, para não edificar sobre fundamento alheio” (Rm 15:19-20). Este espírito evangelístico, porém, não morreu com os apóstolos. Tem continuado, embora muitas vezes em grande fraqueza, mas sempre tem havido aqueles que estavam dispostos a dar a sua vida pregando Cristo crucificado, sob a direção do Espírito Santo.
O Sr. Guilherme foi um deles, e nosso desejo ao oferecer aos irmãos este pequeno livrinho é que possa despertar alguns a ver as multidões como o Senhor Jesus as viu — ovelhas sem pastor. Ao ler este breve relato do serviço de um evangelista que nunca mediu esforços, nem considerou ser um sacrifício levar o Evangelho às cidades e às fazendas, ora caminhando a pé, ora usando uma bicicleta ou cavalo ou moto ou carro, lembre que multidões ainda estão perecendo, em perigo do lago de fogo. Que a compaixão de Cristo possa nos impelir a proclamar o Evangelho enquanto há tempo.
“Ai de mim se não anunciar o Evangelho!” (I Co 6:19) .
R. E. Watterson
Um tributo a William Maxwell
“… hoje caiu em Israel um príncipe e um grande” (II Sm 3:38)Deixou família e pátria, movido pelo amor;
Viveu em terra estranha, servindo ao seu Senhor;
Amava a cruz de Cristo, amava o Salvador;
Cuidava das ovelhas — um terno e bom pastor.
Quantos exemplos!
Sua mala está desfeita*, findou-se toda a dor;
Ressoam pela glória seus hinos de louvor;
Com gozo indescritível, sem medo ou dissabor,
Contempla a face santa do amado Salvador;
Quanta alegria!
E nós, aqui na Terra, movidos pelo amor,
O seu lugar tomemos — sirvamos seu Senhor!
Que seu exemplo ilustre de amor ao Salvador
Nos torne corajosos até o Sol se por.
Mas, ah! Senhor! Quantas saudades …
W. J. W. — 16/09/05
* Durante a última década da sua vida, o Sr. Guilherme constantemente dizia que sua mala estava pronta para ir ao Céu. Hoje ele está lá, e sua mala, pronta durante tantos anos, já foi desfeita.
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