Seol e Hades

O texto abaixo é a íntegra do livrete de mesmo título publicado pela eSd [comprar]


As duas palavras do título deste artigo talvez pareçam estranhas a muitos leitores; é porque não são palavras portuguesas. Seol é uma palavra hebraica, e Hades é grega. São palavras que aparecem frequentemente no texto original da Bíblia (Seol ocorre 65 vezes no Velho Testamento, e Hades, 10 vezes no Novo Testamento), e é importante que saibamos o que elas significam.


As duas palavras expressam a mesma ideia. Vemos isto em Atos 2:27, onde encontramos uma citação de Sal. 16:10. No referido texto, no livro de Salmos, o escritor usou a palavra Seol, e na citação, em língua grega, Lucas usou a palavra Hades. Não pode haver dúvida, então; a palavra hebraica Seol equivale a Hades, na língua grega.

Mas como podemos expressar esta ideia em português?

É aqui que a dificuldade começa. Não existe em nosso idioma qualquer palavra que traduza satisfatoriamente a ideia contida nos vocábulos Seol e Hades. Os tradutores da Bíblia têm usado uma diversidade de palavras na sua tentativa de transmitir fielmente a mensagem divina. Na Versão Corrigida, João Ferreira de Almeida usa principalmente as palavras “inferno” e “sepultura”, mas em alguns casos encontramos outras expressões, como “mundo invisível” (Sal. 89:48). Várias vezes ele até desistiu da tentativa de traduzir, e simplesmente transcreveu a palavra original (veja Jó 17:16; Sal. 139:8; Atos 2:27, 31 etc.). A Versão Atualizada de João Ferreira de Almeida mostra-se mais confusa ainda. Esta tradução emprega palavras como “sepultura”, “além”, “inferno”, “sepulcro”, “morte”, “abismo” e “cova”, além de expressões como “reino dos mortos” (Isa. 14:15). A tradução de Matos Soares usa principalmente a palavra “inferno”, e também palavras como “sepulcro”, “sepultura”, “morte” e “abismo”, bem como a expressão “habitação dos mortos”.

Esta confusão aparente dos tradutores deve-se ao fato de que não há, na língua portuguesa, uma palavra que traduz plenamente a ideia contida nas palavras Seol e Hades. As diversas palavras usadas representam a sua tentativa, honesta e sincera, de aproximarem-se à ideia do texto original, levando em conta o contexto de cada ocorrência da palavra. Vamos considerar as palavras mais usadas por eles, e veremos que realmente não são adequadas.

Inferno

A palavra “inferno” traz para nós a ideia de um lugar de sofrimento, onde o fogo nunca se apaga. Não há dúvida de que tal lugar existe, mas as palavras Seol e Hades não significam isto. Em Gn 37:35 vemos que Jacó, um servo de Deus, esperava ir a Seol. Jó, também, que era homem íntegro e reto, temente à Deus e que desviava-se do mal (Jó 1:8), falou do seu desejo de ir a Seol (Jó 14:13). Isto já é suficiente para provar que Seol (Hades) não é um lugar reservado exclusivamente para os perdidos, pois até os servos de Deus esperavam ir para lá. Salomão confirma isto em Ec. 9:10, quando mostra que Seol é o destino de toda a humanidade.

Sepultura

Sepultura é uma cova funerária, um jazigo; é um lugar onde se enterra o cadáver. Seol (Hades), porém, não é uma sepultura. Considere os seguintes fatos:

•A língua hebraica usa qeber ou qeburah para indicar uma sepultura; nunca usa a palavra Seol para isto. A língua grega não usa Hades, e sim mnemeion, mnema ou taphos quando quer falar de sepultura.

•Existem muitas sepulturas, espalhadas pela face da terra; só existe um Seol (Hades). A Bíblia não usa o plural destas palavras.

•Todas as sepulturas que existem são de propriedade particular; lemos na Bíblia da sepultura (qeber) de Jacó (Gn 50:5), da sepultura (qeburah) de Raquel (Gn 35:20), e de muitas outras. Nunca lemos do Seol (Hades) de alguém, pois Seol (Hades) não é de propriedade particular.

•As sepulturas tem localização geográfica. Nos dois casos citados acima, vemos que a sepultura de Raquel estava nos caminhos de Efrata (Gn 35:19) e a de Jacó estava em Canaã (Gn 50:5). A Bíblia, porém, não indica nenhuma localização geográfica de Seol (Hades); não se acha neste país, nem em qualquer outro.

•Todos tem visto muitas sepulturas; ninguém jamais viu Seol (Hades).

•Os homens cavam sepulturas (Gn 50:5), e compram sepulturas (Gn 23:9); edificam sepulturas (Lc 11:47) e as adornam (Mt 23:29). Ninguém cava, compra, edifica ou adorna Seol (Hades).

O contraste entre o uso de Seol (Hades) na Bíblia, e as palavras hebraicas e gregas que significam “sepultura”, deixam bem claro que “sepultura” não é uma tradução correta de Seol (Hades). Várias vezes a Bíblia usa Seol (Hades) em contraste com o céu (Sal. 139:8; Jó 11:8; Isa. 14:14, 15; Am. 9:2). São termos grandes demais para a mente humana; representam o desconhecido. Uma cova rasa na superfície da terra não serviria como contraste ao céu, e é claro que, mesmo neste uso poético da palavra, Seol (Hades) não é a sepultura.

Na primeira ocorrência de Seol na Bíblia, Jacó falou que desceria ao seu filho, José, em Seol (Gn 37:35). Ele pensava que José fora devorado por uma fera e, portanto, acreditava que José não estava em sepultura alguma. Contudo, falou que desceria ao seu filho a Seol. Seol (Hades) então, não é a sepultura.

Morte

A palavra “morte” tem sido usada várias vezes para traduzir Seol (Hades), mas a própria Bíblia distingue entre Seol (Hades) e a morte. Em Ap 1:18, lemos que o Senhor Jesus Cristo tem as chaves da morte e de Hades. Ainda no mesmo livro, vemos um cavalo amarelo e o seu cavaleiro, cujo nome é a morte (6:8), e o texto acrescenta que Hades o seguia. Se Hades seguia a morte, então Hades não é a morte. Mesmo usando as palavras figurativamente, o Espírito Santo mantém a distinção. No fim de Apocalipse, encontramos as duas palavras outra vez. Tanto a morte quanto Hades serão lançados no lago do fogo (veja 20:13,14). Seol (Hades), portanto, não é a morte.

Além

A versão Atualizada usa “além” várias vezes nas suas tentativas de traduzir Seol (Hades). De todas as palavras usadas, é esta a que mais se aproxima da ideia original, embora não seja adequada. A palavra “além” é um tanto vaga, pois não indica exatamente a posição daquele que partiu; indica apenas que não está mais na terra dos viventes; está no além. Esta é, aproximadamente, a ideia contida nas palavras Seol e Hades. Seol (Hades), porém, é um estado provisório, e a palavra “além” não transmite esta ideia.

Seol ou Hades

Os vocábulos Seol e Hades indicam mais um estado do que uma posição. Como dissemos acima, é quase o que entendemos pela expressão “além-túmulo”. Consideremos alguns textos bíblicos para perceber, com mais clareza, o seu significado.

Em Gn 37:35, encontramos a palavra pela primeira vez na Bíblia. Jacó pensava que o seu filho José estava morto, e disse que iria a ele a Seol. Ele pensava que José não estava mais na terra dos viventes, mas sim, em Seol, isto é, na região dos mortos. Seol (Hades) é o antônimo da expressão “terra dos viventes”; é a habitação dos mortos, sem especificar exatamente onde estes mortos estão.

Muita confusão tem surgido por não perceber que Seol (Hades) não indica a posição dos mortos; é mais um estado ou condição. Sem dúvida, os mortos estão em algum lugar, mas a palavra Seol (Hades) não especifica onde é este lugar. Já notamos que os servos de Deus (Jacó e Jó) esperavam ir para Seol; os ímpios também serão lançados em Seol (Sal. 9:17), porém os ímpios não estarão no mesmo lugar onde Jacó e Jó estão. Seol (Hades) é a esfera dos mortos, em contraste com a esfera dos viventes; é o além.

Mas precisamos limitar esta definição, pois a permanência da alma e do espírito em Seol (Hades) é temporária. Em I Sam. 2:6 lemos que o Senhor faz descer a Seol, e faz tornar a subir dele. Jó também falou dum limite à sua permanência em Seol, dizendo: “Oxalá me escondesse no Seol, e me ocultasse até que a Tua ira se desviasse” (Jó 14:13). Davi também falou neste sentido em palavras que se referem profeticamente ao Senhor Jesus Cristo: “Não deixarás a minha alma no Seol” (Sal. 16:10). Confirmando isto, o Novo Testamento fala daquele dia quando Hades entregará os mortos que nele houver, e será lançado no lago do fogo (Ap 20:13, 14).

Seol (Hades), portanto, é a habitação da alma e do espírito entre a morte e a ressurreição. Na morte, o corpo vai para o pó, porém a alma e o espírito vão para Seol (Hades). O que veio do pó da terra, volta ao pó da terra; o que veio de Deus, volta a Deus (Ec. 12:7 e Lc 16:22, 23). Enquanto o corpo se desfaz no sepulcro, a alma e o espírito estão vivos em Seol (Hades).

Condições em Seol (Hades)

Embora as palavras Seol e Hades não especificam o lugar para onde vão os mortos, um estudo das suas ocorrências na Bíblia revela algo sobre as condições neste estado intermediário entre a morte e a ressurreição. Consideremos, primeiramente, a condição daqueles que são salvos.

Os salvos

Para os salvos, Seol (Hades) representa livramento ou refúgio. Na sua aflição, Jó expressou o desejo de estar em Seol, escondido, até que a ira passasse (Jó 14:13). Aqui na vida, ele estava sofrendo horrivelmente, e contemplou a Seol como refúgio destas dores. Para os salvos, Seol (Hades) representa aquilo que é muito melhor do que qualquer coisa que temos aqui nesta vida. Lázaro (Lc 16:22, 25) é mais um exemplo disto. O apóstolo Paulo também escreveu: “Desejamos antes deixar este corpo, para habitar com o Senhor” (II Co 5:8). Outra vez ele falou deste mesmo desejo de partir e estar com Cristo, e acrescentou que isto seria muito melhor; para ele, o morrer seria lucro (Fil. 1:21, 23).

Os perdidos

Para quem não é salvo, porém, Seol (Hades) não trará qualquer alívio dos seus sofrimentos; pelo contrário, os aumentará muito mais, pois a Bíblia revela que há muito sofrimento em Seol (Hades) para quem morrer sem a salvação.

Em Deuteronômio lemos: “Um fogo se acendeu no Meu furor, e arderá até ao mais profundo do Seol” (32:32). O salmista falou de “angústias de Seol” que se apoderaram dele (Sal. 116:3), e Salomão confirma isto, dizendo: “O amor é forte como a morte, e duro como o Seol o ciúme; as suas brasas são brasas de fogo, são veementes labaredas” (Ec. 8:6).

No Novo Testamento encontramos a mesma realidade, pois se Lázaro foi consolado, o rico foi atormentado. Observe bem a repetição da palavra “tormento” no relato de Lázaro e o rico (Lc 16:19-31). O rico foi sepultado e, em Hades, ergueu os olhos, estando em tormentos (v. 23); ele disse a Abraão: “Estou atormentado nesta chama” (v. 24); Abraão lhe respondeu: “Lázaro … é consolado, e tu atormentado” (v. 25). Quando o rico viu que não haveria misericórdia para ele, nem sequer uma gota de água para aliviar aqueles terríveis sofrimentos, ele lembrou de seus irmãos que ainda viviam, e pediu que fossem avisados, a fim de que não viessem para “este lugar de tormento” (v. 28).

Conclusão

Concluímos, pois, que Seol (Hades) significa o além-túmulo — mais precisamente, o além-túmulo desde o momento da morte até a ressurreição. A palavra em si não indica o lugar daquele que morreu (se está no céu ou no inferno); apenas indica que não está na terra dos viventes, e sim, na habitação dos mortos. Em Seol (Hades) os mortos estão em plena consciência; alguns no consolo e segurança; outros nos tormentos do fogo.

Ronald E. Watterson

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