Epílogo a Gênesis

O texto abaixo é o Epílogo ao volume 1 do Comentário Ritchie do Velho Testamento (Gênesis).

Gênesis é a primeira parte da revelação divina inspirada. É o alicerce para a narrativa da história do relacionamento de Deus com o Seu povo escolhido. Através deste povo escolhido Ele prometeu abençoar o mundo, mais especificamente por meio de um Libertador prometido. Mas Gênesis termina com os israelitas no Egito e os restos mortais de José num caixão. A história é aparentemente interrompida por enquanto, com apenas uma insinuação e uma promessa de atividade divina para reativá-la.



Como foi, então, a evolução da narrativa até agora? Tudo começou com Deus: “No princípio criou Deus”. Ele traz luz e vida à existência. Ele abençoa o que criou (1:22, 1:28; 2:3), pois Ele vê que é bom. Em seguida temos o homem com sua declaração de uma falsa independência, a queda da raça humana. Rapidamente Deus amaldiçoa a serpente (3:14), a Terra (3:17) e o primeiro assassino (4:11). A humanidade deteriora tão gravemente que Deus decide destruir a Terra com todos os seres viventes nela por meio de um dilúvio. O Dilúvio purifica a Terra, e Deus a restaura com uma bênção sobre Noé e seus filhos, os únicos sobreviventes humanos (9:1).

Um passo muito importante é dado em 12:1, quando Deus chama um certo Abrão de Ur dos Caldeus para um lugar de privilégio e bênção (12:2). Abrão viaja de Ur até Harã e de Harã até Canaã, e a partir dai, Canaã permanece o foco de interesse geográfico, a terra da promessa. Abraão, como ele passa a ser chamado, compra um lote para sepultamento em Canaã (23:20), um símbolo da futura possessão de toda a terra. Ele foi singularmente privilegiado, pois Deus entrou em um relacionamento de concerto com ele.

Uma fome levou Jacó, neto de Abraão, a realocar a família toda no Egito. A longa lista de descendentes que desceu com ele ao Egito serve como um lembrete de que além da questão de uma terra prometida, há também uma questão igualmente importante de uma prometida linhagem de descentes. Isso é especialmente importante devido às repetidas insinuações e promessas da vinda de um libertador específico. Até Jacó, não era evidente como Deus cumpriria a promessa de uma descendência numerosa dentro do concerto feito com Abraão, porque Abraão e Isaque tinham apenas um punhado de descendentes que estavam incluídos nas bênçãos do concerto. Entretanto, Jacó não foi pai somente de um filho, mas de muitos, e eles foram os pais de tribos. O cap. 49 mostra isto em detalhes.

A mudança de Jacó para o Egito foi sob uma ordem direta de Deus. Também foi precedida por José sendo colocado ali para preparar o caminho para toda a numerosa família. Os capítulos finais de Gênesis contêm indícios de que este povo não permaneceria no Egito. Depois de uma longa demora (compare 15:16) eles voltariam a Canaã. Enquanto isso, José no Egito havia sido uma bênção para os egípcios e, na verdade, através do seu programa de socorro na fome ele foi, de certa forma, o salvador do mundo. Assim como a compra de Abraão de um pequeno pedaço de terra era símbolo de posse futura de toda terra, assim a obra salvadora de José, durante a fome, foi um sinal de como Deus abençoará a humanidade através da linhagem de Abraão. Em cada fase onde isso é visto, fica claro que a bênção final ainda está por vir. Portanto, a narrativa de Gênesis se encerra com José embalsamado e num caixão no Egito. Vale a pena repetir que ele foi embalsamado porque ele antecipava o seu retorno futuro a Canaã e seu sepultamento com o seu povo ali. A história maior dos propósitos de Deus ainda está inacabada.

Esta sensação de uma história inacabada, e de cada livro da narrativa bíblica ser somente parte de uma narrativa maior, continua através de todos os cinco livros de Moisés, como D. J. A. Clines[*] mostra de maneira tão convincente.

Em Gênesis a história aponta para frente com a promessa: “Certamente vos visitará Deus, e fareis transportar os meus ossos daqui” (50:25). Em Êxodo o Senhor revela a Sua presença no Tabernáculo no final do livro, mas é enfatizado (Êx 40:36-38) que isso se refere ao peregrinar deles, pois o Tabernáculo é um santuário móvel. Eles ainda não haviam chegado. Em Levítico temos “os mandamentos que o Senhor ordenou a Moisés, para os filhos de Israel, no monte Sinai” (27:34). Números leva a narrativa um pouco mais adiante com “os mandamentos e os juízos que mandou o Senhor pela mão de Moisés aos filhos de Israel nas campinas dos moabitas, junto ao Jordão, de Jericó” (36:13). Deuteronômio vai um estágio mais adiante: “os estatutos e os juízos que tereis cuidado em fazer na terra que vos deu o Senhor, Deus de vossos pais, para a possuirdes, todos os dias que viverdes sobre a terra” (12:1). Entretanto, no final de Deuteronômio a narrativa ainda está incompleta, pois Moisés está morto e Josué ainda não foi provado como comandante chefe, e a terra da promessa ainda não foi ocupada.

O Velho Testamento igualmente termina com uma promessa sobre o futuro, uma promessa de enviar “Elias, antes que venha o dia grande e terrível do Senhor” (Ml 4:5). O Novo Testamento começa com esperança de que “o caminho do Senhor” (Mt 3:3) está sendo preparado por João o Batista que veio “no espírito e virtude de Elias” (Lc 1:17). Mas Aquele que João apresentou, embora trazendo bênção e salvação, não estabeleceu o Seu reino na Terra. Por isso a fase de “mistérios” do Seu reino é apresentada (Mt 13:11) nas Suas parábolas do reino. Sua vinda em glória manifesta ainda é futura. É profetizada em Apocalipse. A expectativa naquele livro é crescente e culmina com a promessa: “Certamente, cedo venho!” (Ap 22:20). A história iniciada em Gênesis ainda não está completa. O cumprimento final das promessas de Deus, sem dúvida, será muito além da nossa imaginação, mesmo tendo a revelação completa em nossas mãos. Clines escreve do “transbordar” do cumprimento divino indo além do que pensávamos que Deus havia prometido, porque Deus é infinito. Ele não falha nas Suas promessas, mas não devemos nos surpreender se o cumprimento for infinitamente maior e mais glorioso do que esperávamos. Por enquanto, nos unimos ao fiel Abraão aguardando a “cidade que tem fundamentos, da qual o artífice e construtor é Deus” (Hb 11:10). Isso é revelado a João nas fases finais do livro de Apocalipse, mas a vinda do dia do cumprimento todos nós ainda aguardamos.

J. W. Ferguson

[*] CLINES, David J. A. The theme of the Pentateuch. JSOT SS Nº 10, Dept. of Biblical Studies, University of Sheffield, 1978, reimpresso com frequência.

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